São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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Ciganos graças a Deus

Para fugir da discriminação e da perseguição na Espanha, grupos espalhados pelo país buscam apoio e refúgio em igrejas evangélicas

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE MADRI


Toda semana, Mhiaela Florina, 30, cigana romena, vai à sede da Igreja Universal do Reino de Deus em Madri com a irmã Ancuta, 19.
Converteram-se há um ano, quando chegaram à Espanha, aderindo a um movimento que já atraiu metade dos cerca de 700 mil ciganos do país -a maior população do grupo na União Europeia.
Segundo o Centro de Investigações Sociológicas da Espanha, 49% deles se converteram a igrejas protestantes. "Sempre acreditamos nas mesmas coisas que as igrejas dizem, só não tínhamos religião formal", conta Noemi Serrano, 48, que conduz um programa de evangelização de ciganos no país.
Mas o movimento é também um recurso que os ciganos adotaram para se proteger da perseguição na Europa, especialmente depois de o presidente do governo espanhol, José Luiz Rodríguez Zapatero, ter dado aval à política de expulsão de ciganos do francês Nicolas Sarkozy.
Embora a Espanha seja considerada pela Comissão Europeia modelo de integração de ciganos, o grupo é ainda o mais discriminado no país, segundo o Centro de Investigações Sociológicas.
"Aqui [na Igreja Universal] não nos sentimos discriminados, e eles ainda nos ajudam", afirma Mhiaela.
"Indo à igreja, eles são vistos como bons cidadãos, que não provocam desordem, e isso evita expulsões como as da França, ligadas a mau- -comportamento", afirma o catedrático do Centro de Migração e Racismo da Universidade Complutense de Madri, Tomas Calvo, ex-membro da Comissão Interministerial para Ciganos.
"Essas igrejas também intervêm em casos de ciganos romenos que não têm documentação nem de seu país".
Isso explica, para ele, o interesse de ciganos que não tinham religião ou frequentavam a Igreja católica, tradicional aliada do grupo na Espanha, pelas evangélicas.
Na paróquia de Santo Domingo de la Calzada, única igreja de Valdemindoguez, a maior concentração de ciganos romenos em Madri, já se nota a baixa. "Agora eles vêm para pedir ajuda, mas vão ao serviço das evangélicas", afirma Paco Pascual, funcionário da paróquia.
"Nas evangélicas, eles se sentem mais próximos, podem até ser pastores", declara Tomás Calvo.
É o caso de Antonio Juanbreva, 68: "Virei pastor e toda minha família já se converteu. Quase todas as famílias fizeram o mesmo".

NOVOS FIÉIS
Atualmente, há nichos de evangelização de ciganos também na França, Portugal, Suécia e Finlândia, mas o mais forte deles é na Espanha, segundo Manuela Cantón, que pesquisa a evangelização de ciganos no país.
A principal representante desse crescente movimento é a Igreja de Filadélfia, ramificação protestante criada na década de 1960 pelos próprios ciganos. "A Igreja de Filadelfia está permitindo a organização política dos ciganos", afirma Cantón, que escreveu o livro "Ciganos Pentecostais: um olhar antropológico sobre a Igreja Filadelfia na Andaluzia".
"Quase todo mundo que conheço está na Filadelfia", conta a cigana Anara Montoya, 42, cuja família foi uma das primeiras na igreja, há cerca de 20 anos.
Mas os templos latino- -americanos também têm angariado fiéis ciganos, caso da Igreja Universal do Reino de Deus de Madri. "Eles vinham nos dias em que distribuíamos comida. Mas agora já frequentam mais", diz à Folha o pastor Roberto Braga.
Os efeitos da evangelização dos ciganos na Espanha ainda dividem opiniões. "O problema é que não são organizações laicas", declara a ministra de Saúde e Políticas Sociais (que concentra as políticas para ciganos), Trinidad Jiménez.
Já o ministro de Educação, Ángel Cabilondo, avalia as igrejas pentecostais como "espaços positivos". Ele revelou à Folha que planeja parcerias com elas.
Os pesquisadores Tomás Calvo e Manuela Cantón veem no movimento uma chance de reinserção dos ciganos na sociedade.
"Para mim, isso marginaliza os ciganos, segrega", afirmou o presidente da Fundação Secretariado Ciganos da Espanha, Pedro Puente.


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