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Ciganos graças a Deus
Para fugir da discriminação e da perseguição na Espanha, grupos espalhados pelo país buscam apoio e refúgio em igrejas evangélicas
LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE MADRI
Toda semana, Mhiaela
Florina, 30, cigana romena,
vai à sede da Igreja Universal
do Reino de Deus em Madri
com a irmã Ancuta, 19.
Converteram-se há um
ano, quando chegaram à Espanha, aderindo a um movimento que já atraiu metade
dos cerca de 700 mil ciganos
do país -a maior população
do grupo na União Europeia.
Segundo o Centro de Investigações Sociológicas da
Espanha, 49% deles se converteram a igrejas protestantes. "Sempre acreditamos
nas mesmas coisas que as
igrejas dizem, só não tínhamos religião formal", conta
Noemi Serrano, 48, que conduz um programa de evangelização de ciganos no país.
Mas o movimento é também um recurso que os ciganos adotaram para se proteger da perseguição na Europa, especialmente depois de
o presidente do governo espanhol, José Luiz Rodríguez
Zapatero, ter dado aval à política de expulsão de ciganos
do francês Nicolas Sarkozy.
Embora a Espanha seja
considerada pela Comissão
Europeia modelo de integração de ciganos, o grupo é ainda o mais discriminado no
país, segundo o Centro de Investigações Sociológicas.
"Aqui [na Igreja Universal]
não nos sentimos discriminados, e eles ainda nos ajudam", afirma Mhiaela.
"Indo à igreja, eles são vistos como bons cidadãos, que
não provocam desordem, e
isso evita expulsões como as
da França, ligadas a mau-
-comportamento", afirma o
catedrático do Centro de Migração e Racismo da Universidade Complutense de Madri, Tomas Calvo, ex-membro da Comissão Interministerial para Ciganos.
"Essas igrejas também intervêm em casos de ciganos
romenos que não têm documentação nem de seu país".
Isso explica, para ele, o interesse de ciganos que não tinham religião ou frequentavam a Igreja católica, tradicional aliada do grupo na Espanha, pelas evangélicas.
Na paróquia de Santo Domingo de la Calzada, única
igreja de Valdemindoguez, a
maior concentração de ciganos romenos em Madri, já se
nota a baixa. "Agora eles
vêm para pedir ajuda, mas
vão ao serviço das evangélicas", afirma Paco Pascual,
funcionário da paróquia.
"Nas evangélicas, eles se
sentem mais próximos, podem até ser pastores", declara Tomás Calvo.
É o caso de Antonio Juanbreva, 68: "Virei pastor e toda minha família já se converteu. Quase todas as famílias fizeram o mesmo".
NOVOS FIÉIS
Atualmente, há nichos de
evangelização de ciganos
também na França, Portugal,
Suécia e Finlândia, mas o
mais forte deles é na Espanha, segundo Manuela Cantón, que pesquisa a evangelização de ciganos no país.
A principal representante
desse crescente movimento é
a Igreja de Filadélfia, ramificação protestante criada na
década de 1960 pelos próprios ciganos. "A Igreja de Filadelfia está permitindo a organização política dos ciganos", afirma Cantón, que escreveu o livro "Ciganos Pentecostais: um olhar antropológico sobre a Igreja Filadelfia na Andaluzia".
"Quase todo mundo que
conheço está na Filadelfia",
conta a cigana Anara Montoya, 42, cuja família foi uma
das primeiras na igreja, há
cerca de 20 anos.
Mas os templos latino-
-americanos também têm angariado fiéis ciganos, caso da
Igreja Universal do Reino de
Deus de Madri. "Eles vinham
nos dias em que distribuíamos comida. Mas agora já
frequentam mais", diz à Folha o pastor Roberto Braga.
Os efeitos da evangelização dos ciganos na Espanha
ainda dividem opiniões. "O
problema é que não são organizações laicas", declara a
ministra de Saúde e Políticas
Sociais (que concentra as políticas para ciganos), Trinidad Jiménez.
Já o ministro de Educação,
Ángel Cabilondo, avalia as
igrejas pentecostais como
"espaços positivos". Ele revelou à Folha que planeja
parcerias com elas.
Os pesquisadores Tomás
Calvo e Manuela Cantón
veem no movimento uma
chance de reinserção dos ciganos na sociedade.
"Para mim, isso marginaliza os ciganos, segrega", afirmou o presidente da Fundação Secretariado Ciganos da Espanha, Pedro Puente.
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