São Paulo, terça-feira, 11 de outubro de 2011

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ANÁLISE

Não basta ao Brasil se abster em resoluções

País deve sugerir caminho para pôr em prática a 'responsabilidade de proteger' em casos como o da Síria


A IDEIA DE PROTEÇÃO AOS CIVIS FOI INVOCADA NA LÍBIA, MAS NÃO EM OUTROS PAÍSES EM QUE A POPULAÇÃO É MORTA AOS MILHARES, COMO NA SOMÁLIA


CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

O Brasil vem adotando posição incisiva no CDH (Conselho de Direitos Humanos) contra a repressão na Síria. Ao mesmo tempo, se opõe a medidas duras contra o regime no CS (Conselho de Segurança). Não há incoerência.
Há anos o Itamaraty considera o CDH, em Genebra, o fórum apropriado para o exame de violações. O país apoiou a criação do órgão, que em 2006 substituiu a Comissão de Direitos Humanos, considerada parcial e obediente a interesses de potências tradicionais.
A imparcialidade absoluta é impraticável nas relações internacionais, definidas pelo poder relativo dos países. Mas o CDH tentou se aproximar desse objetivo ao instituir a Revisão Periódica Universal, à qual todos os Estados são submetidos.

NOMEAÇÃO
Em casos de emergência, de não colaboração com os relatores temáticos (tortura, habitação etc.) e de não implementação das recomendações da revisão, o CDH pode nomear relatores especiais -como foi feito com o Irã e, agora, com a Síria.
O órgão não tem como impor suas decisões pela força. Tenta agir a partir do constrangimento público e de sanções diplomáticas. O organismo capaz de autorizar intervenções armadas é o Conselho de Segurança, cuja função formal é zelar pela paz internacional. Não há, no entanto, consenso sobre se, quando e em que nível violações de direitos humanos constituem ameaça à paz.
Examinar ou não casos em que governos reprimem o próprio povo ainda depende de injunções políticas -basta notar a ausência de Bahrein e Iêmen da pauta do CS.
Em 2005, a Assembleia-Geral da ONU aprovou a "responsabilidade de proteger" civis. O conceito foi invocado na Líbia, mas não em outros países em que a população é morta aos milhares, como a Somália.

PARADIGMA
Na prática, as "intervenções humanitárias" vêm se traduzindo na opção por um dos lados de conflitos internos. O caso paradigmático ainda é o de Kosovo, província da Sérvia em que a Otan interveio, sem autorização do CS, em 1999. Na época, os kosovares de origem albanesa eram reprimidos pelo ditador sérvio Slobodan Milosevic. Atuava ali uma guerrilha independentista, o ELK (Exército de Libertação de Kosovo).
A intervenção levou, quase uma década depois, à proclamação da independência pelos kosovares. Também abriu caminho para que atacassem a minoria sérvia com a mesma ferocidade usada antes por Milosevic.

ABSTENÇÃO
Se o padrão duplo é a norma, não basta que Brasil e outras democracias emergentes se abstenham, como fizeram nas resoluções do CS sobre Líbia e Síria. Elas devem ser claras: se não é possível intervir sempre, é melhor não intervir nunca? Se a resposta for negativa, o que propõem para pôr em prática a "responsabilidade ao proteger", mencionada pela presidente Dilma em seu discurso à Assembleia-Geral?


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