São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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Reputação de improbidade paira sobre ditador chileno

Pinochet não explicou a origem dos US$ 27 milhões; ditadura matou 3.000

Há dois consensos sobre o golpe: o primeiro, que os EUA ajudaram; o segundo, delicado, que Allende não se sustentava na Presidência

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Augusto Pinochet Ugarte morreu politicamente isolado. Os partidários de sua ditadura (1973-1990) afastaram-se quando ruiu a imagem do governante cuja probidade pessoal compensava o desastroso saldo no campo dos direitos humanos -mais de 3.000 mortos e 28 mil torturados. A reviravolta se deu em 2004, quando foram descobertas suas primeiras contas no exterior, que somam depósitos injustificados de cerca de US$ 27 milhões.
Tanto dinheiro assim sujou o brasão de um militar e presidente que gostaria de ser lembrado pela "reconstrução nacional", após derrubar, em setembro de 1973, o presidente socialista Salvador Allende.
Há hoje dois consensos entre os historiadores sobre as circunstâncias que o levaram ao poder no Chile. O primeiro se refere ao auxílio norte-americano ao golpe de Estado.
A Guerra Fria passava por um período agudo. Já havia o precedente de Cuba, e Washington não admitiria um novo regime de esquerda em sua esfera de influência. Henry Kissinger, assessor da Casa Branca, disse ao presidente Richard Nixon que tudo seria feito em favor dos golpistas chilenos.
O segundo consenso é mais delicado. Refere-se à insustentabilidade de Allende. O Estado, inchado por desapropriações de terras e nacionalizações de bancos e empresas, era bem mais vulnerável aos adversários internos e externos. Uma greve nos transportes provocou o desabastecimento. O Tesouro só arrecadava 53% do que gastava. Os 3.500 produtos tabelados estimulavam a corrupção e o mercado negro.
Allende perdia o controle da economia centralizada e era vítima da desestabilização de grupos empresariais. Setores significativos da classe média receberiam a ditadura como um mal menor e inevitável.
O novo regime, para esses chilenos e para os investidores externos, colocou ordem na casa. O Chile virou um laboratório de grande êxito do liberalismo econômico radicalizado.
Pinochet manteve a estatização do cobre. Mas privatizou as 6.500 propriedades rurais expropriadas pelas reformas agrárias dos dois governos anteriores. Fez o mesmo com 308 empresas e 17 bancos. Transformou a Previdência em fundos de pensão privados. A inflação caiu de 400% para 10%. E a economia, entre 1976 e 1981, cresceu 6,8% ao ano.
Ao mesmo tempo, no entanto, acelerou-se a desigualdade social e surgiu uma forma crônica de pobreza que o país havia muito desconhecia.
Mesmo assim, foi com base na estabilização econômica que Pinochet, em meio à inexistência de liberdade política e acusações de fraudes, venceu em 1980 o plebiscito que instituía uma nova Constituição, pela qual tornou-se presidente, e as Forças Armadas exerceriam a tutela do Estado.
Foi talvez seu melhor momento. Ele havia sido um militar obscuro, entre centenas de outros num país que até 1973 respeitara a normalidade democrática e no qual as Forças Armadas nunca atuaram como um partido fardado. Chegara ao poder, como diz eufemicamente a biografia oficial no site da Fundação Pinochet, em razão de "situações insustentáveis".


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