São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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General aderiu à conspiração na última hora

DA REPORTAGEM LOCAL

Nascido na cidade portuária de Valparaíso, em 25 de novembro de 1915, Augusto Pinochet estudou em colégios religiosos e entrou aos 17 anos para a Escola Militar. Deixou-a aos 21 como alferes de infantaria.
Mudou-se em 1956 para o Equador, onde o Exército do Chile assessorava na montagem da Academia de Guerra. Voltou a seu país em 1959, servindo em Antofagasta, Santiago e Iquique. Tornou-se, em 1972, chefe do Estado Maior do Exército, por indicação Carlos Pratts, militar próximo dos socialistas que o recomendou ao presidente Salvador Allende, por acreditar que ele se opunha a um possível golpe.
Casado desde 1943 com Lucía Hiriart Rodríguez, pai de três filhas e dois filhos, Pinochet embarcou na conspiração na undécima hora. Era o oficial de mais elevado posto de comando quando o palácio presidencial de La Moneda começou a ser bombardeado, na manhã do 11 de setembro de 1973.
Pinochet instituiu uma lógica implacável de neutralização -prisões, seqüestros, assassinatos- de lideranças sindicais e políticas ligadas à UP (Unidade Popular), coalizão de esquerda do governo deposto.
Foi algo bem mais sangüinário e liberticida do que o Brasil conheceu em 1964. A sociedade chilena estava mais polarizada. As elites não debatiam democracia e Estado de Direito. O Chile se tornou o paraíso de experiências econômicas, mas um cemitério da cidadania e dos mais básicos direitos civis. "Faria tudo de novo", disse Pinochet, em novembro de 2003.
Sua boa estrela empalideceu em 1988. A Constituição previa um plebiscito sobre sua permanência no poder. Ele acreditava, por meio da economia, ter ampliado suas bases sociais de apoio. E tirara proveito político do atentado contra seu comboio, em 1986, que matou cinco militares de sua escolta.
Mas os chilenos, um dos povos mais escolarizados e politizados da América hispânica, rejeitaram a sua tutela. No plebiscito, 54,71% disseram "não" ao ditador. A ditadura começava a ruir, mesmo se a Constituição ainda dava a Pinochet o comando do Exército e uma cadeira vitalícia no Senado.
De personagem inimputável, Pinochet passaria enfrentar o constrangimento dos primeiros processos, por conta dos esqueletos escondidos nos armários de seu regime.
As quase duas dezenas de internações hospitalares que se sucederam nem sempre obedeciam a exigências médicas. Eram recomendadas por advogados que o afastavam de depoimentos, indiciamentos ou ameaça de prisão. O ex-ditador estava em prisão domiciliar ao ser pela última vez internado.
Em março de 1990, a Presidência da República é entregue a Patrício Aylwin, sucedido pelo também democrata-cristão Eduardo Frei Ruiz Tagle, e em seguida por Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, socialistas partidários das leis de mercado.
A chamada Operação Condor chega às mãos do Judiciário. Os detalhes aparecem em 1992. Países do Cone Sul fizeram um mutirão oficioso para interrogar ou extraditar ilegalmente militantes da esquerda de países vizinhos. O regime de Pinochet está envolvido na morte de 19 prisioneiros. Surgiram também processos sobre a "Caravana da Morte", que provocou, após o golpe de 1973, o desaparecimento de 75 pessoas.
De pouco adiantou Pinochet abrir mão do mandato de senador vitalício em 2002 (evocou a "consciência tranqüila" e o "sacrifício" pessoal no período em que governou), posto que ocupou a partir de 1998, depois de deixar o comando do Exército. A inexorável engrenagem judicial estava acionada.
O juiz chileno Juan Guzmán passou a investigar os desaparecimentos durante a ditadura. O juiz espanhol Baltasar Garzón se interessou pela morte de cidadãos espanhóis durante a repressão política no Chile. Pinochet estava em Londres, em outubro de 1998. Garzón pediu sua extradição para julgá-lo em Madri. Ele permaneceu em prisão domiciliar num subúrbio londrino até março de 2000. Sua volta a Chile foi a última oportunidade para testar seu prestígio no bloco conservador.
Caíram suas imunidades judiciais. Descobriram que ele abria contas bancárias com oito passaportes de identidades diferentes. Ombros curvados, bengala, fala débil, só faltava para piorar ainda mais as coisas que ele morresse com a pecha de corrupto. Pois é justamente o personagem que agora entra para as páginas menos dignificantes da história chilena.


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