São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

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Como no Vietnã, o tiro antes da queda

HAROLD MEYERSON
DA "AMERICAN PROSPECT"

O que foi mesmo que o presidente disse sobre a Síria e o Irã? Já que o governo havia revelado com antecedência quase tudo que George W. Bush diria anteontem, a verdadeira notícia no discurso do presidente era sua elíptica ameaça de expandir a guerra aos países vizinhos do Iraque. Aninhada em meio a um discurso cujos detalhes já eram familiares, surgiu essa camuflada bomba: "O sucesso no Iraque também requer a defesa de sua integridade territorial e a estabilização da região, diante do desafio oferecido pelos extremistas. Isso começa por meio de ações com respeito ao Irã e à Síria (...) O Irã vem fornecendo apoio concreto a ataques contra tropas americanas. Nós deteremos os ataques contra nossas forças.
Nós interromperemos o influxo de apoio vindo do Irã e da Síria. E nós localizaremos e destruiremos as redes que oferecem treinamento e armas avançadas aos nossos inimigos no Iraque." O parágrafo pode significar muitas coisas. Talvez queira dizer que os EUA vão reforçar as fronteiras do Iraque com esses dois países. Pode significar que forças americanas conduzirão uma campanha de interdição ao tráfego de insurgentes e material através dessas fronteiras. Pode significar que nossas forças terão ordens de cruzar as fronteiras perseguindo insurgentes.
Pode significar que forças americanas receberão ordens para atacar suspeitos dos lados sírio e iraniano. Pode significar que esses confrontos servirão de pretexto a ataques aéreos americanos contra as forças insurgentes bem dentro do território sírio ou iraniano. Ações americanas como essas poderiam resultar em contramedidas militares da Síria e do Irã, o que poderia causar uma guerra aérea mais generalizada dos EUA contra os dois países.

Kissinger e Nixon
Isso claramente não é o que James Baker tinha em mente quando sua comissão recomendou uma renovação dos contatos com o Irã e a Síria, mas a decisão não quer dizer que Bush tenha, na prática, ignorado as recomendações dos líderes da política externa americana na geração de seu pai. Pois o que Bush pode ter delineado talvez seja um plano para concluir a guerra à maneira de Henry Kissinger.
O plano de Kissinger e Nixon para pôr fim à Guerra do Vietnã sempre foi o de sair fazendo barulho. Eles estenderam a guerra ao Camboja pelo mesmo motivo que levou Bush a ameaçar Síria e Irã: o país servia como santuário para os norte-vietnamitas. E mesmo ao retirar forças terrestres norte-americanas, eles reforçaram o bombardeio ao Vietnã do Norte, para transmitir aos norte-americanos mensagem de que não estavam saindo com o rabo entre as pernas, e ao mundo a mensagem de que eram malucos: melhor não mexer com eles.
Assim: suponhamos que Bush saiba que ele precisa sair do Iraque ou causará a derrota dos republicanos em 2008. O que é que ele pode salvar dessa situação? A retirada pode ser iniciada com agressões ao Irã e à Síria, para demonstrar que continuamos a ser a única superpotência na parada. Ou ele pode justificar a manutenção de nossa presença no Iraque como uma forma de reduzir a ameaça de um adversário mais perigoso, o Irã.
Nixon, claro, extraiu mais vantagens de seus ataques ao Camboja. Tornou a oposição dos democratas à guerra ainda mais estridente, o que ampliou a cisão na sociedade, um fator que ele explorou para sua reeleição. Talvez seja possível que Karl Rove, estrategista de Bush, tenha convencido o presidente de que, se ele ampliar a guerra, forçará os democratas a uma oposição aberta e que, dessa maneira, poderia se beneficiar da polarização.

Ganhar tempo
Estou inclinado a duvidar dessa hipótese, porque é mais provável, a esta altura, que uma clara maioria dos americanos rejeite uma ampliação da guerra, e que portanto a polarização que o governo Bush provocaria terminaria por levar ainda mais gente a se opor ao seu governo e à sua guerra, causando protestos não só de perigosos esquerdistas mas de amenos moderados. Mas Bush, o vice-presidente Dick Cheney e Karl Rove viram seus sonhos transformados em pesadelos, e esses sujeitos não costumam exibir bom senso nem mesmo quando as coisas vão bem.
Bush não está calculando mais nada, a esta altura. Nixon e Kissinger reconheciam, ao menos, a necessidade de encerrar a guerra. Bush deitou as fundações para uma retirada, ao dizer que os americanos retirariam seu apoio caso o primeiro-ministro Maliki não obtenha sucesso com seu novo plano -e alguém acredita que ele se sairá bem?
Mas suponhamos que Bush deseje simplesmente manter as coisas como estão, com tropas americanas estacionadas no Iraque até que seu mandato se encerre. Se Bush quiser ficar no Iraque sem prazo para sair era preciso que dissesse o que disse, e esperar que isso lhe dê mais tempo. Da mesma forma que expandir a guerra ao Irã renova, de uma maneira distorcida, a missão de nossas forças na região.
Quem é que consegue avaliar os processo mentais deste presidente, que sofre de tantas distorções psicológicas quanto Nixon mas não dispõe da capacidade intelectual de seu predecessor? O "New York Times" informou que, em reunião com líderes do Congresso antes do discurso, alguém perguntou a Bush por que ele acreditava que a nova estratégia funcionaria. "Porque é preciso que funcione", foi a resposta. Palavras reconfortantes vindas do líder do mundo livre.


HAROLD MEYERSON é editor executivo da revista americana "American Prospect", identificada com o Partido Democrata
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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