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Como no Vietnã, o tiro antes da queda
HAROLD MEYERSON
DA "AMERICAN PROSPECT"
O que foi mesmo que o
presidente disse sobre a Síria
e o Irã?
Já que o governo havia revelado com antecedência
quase tudo que George W.
Bush diria anteontem, a verdadeira notícia no discurso
do presidente era sua elíptica
ameaça de expandir a guerra
aos países vizinhos do Iraque. Aninhada em meio a um
discurso cujos detalhes já
eram familiares, surgiu essa
camuflada bomba:
"O sucesso no Iraque também requer a defesa de sua
integridade territorial e a estabilização da região, diante
do desafio oferecido pelos
extremistas. Isso começa por
meio de ações com respeito
ao Irã e à Síria (...) O Irã vem
fornecendo apoio concreto a
ataques contra tropas americanas. Nós deteremos os ataques contra nossas forças.
Nós interromperemos o influxo de apoio vindo do Irã e
da Síria. E nós localizaremos
e destruiremos as redes que
oferecem treinamento e armas avançadas aos nossos
inimigos no Iraque."
O parágrafo pode significar muitas coisas. Talvez
queira dizer que os EUA vão
reforçar as fronteiras do Iraque com esses dois países.
Pode significar que forças
americanas conduzirão uma
campanha de interdição ao
tráfego de insurgentes e material através dessas fronteiras. Pode significar que nossas forças terão ordens de
cruzar as fronteiras perseguindo insurgentes.
Pode significar que forças
americanas receberão ordens para atacar suspeitos
dos lados sírio e iraniano. Pode significar que esses confrontos servirão de pretexto
a ataques aéreos americanos
contra as forças insurgentes
bem dentro do território sírio ou iraniano. Ações americanas como essas poderiam
resultar em contramedidas
militares da Síria e do Irã, o
que poderia causar uma
guerra aérea mais generalizada dos EUA contra os dois
países.
Kissinger e Nixon
Isso claramente não é o
que James Baker tinha em
mente quando sua comissão
recomendou uma renovação
dos contatos com o Irã e a Síria, mas a decisão não quer
dizer que Bush tenha, na prática, ignorado as recomendações dos líderes da política
externa americana na geração de seu pai. Pois o que
Bush pode ter delineado talvez seja um plano para concluir a guerra à maneira de
Henry Kissinger.
O plano de Kissinger e Nixon para pôr fim à Guerra do
Vietnã sempre foi o de sair
fazendo barulho. Eles estenderam a guerra ao Camboja
pelo mesmo motivo que levou Bush a ameaçar Síria e
Irã: o país servia como santuário para os norte-vietnamitas. E mesmo ao retirar
forças terrestres norte-americanas, eles reforçaram o
bombardeio ao Vietnã do
Norte, para transmitir aos
norte-americanos mensagem de que não estavam
saindo com o rabo entre as
pernas, e ao mundo a mensagem de que eram malucos:
melhor não mexer com eles.
Assim: suponhamos que
Bush saiba que ele precisa
sair do Iraque ou causará a
derrota dos republicanos em
2008. O que é que ele pode
salvar dessa situação? A retirada pode ser iniciada com
agressões ao Irã e à Síria, para demonstrar que continuamos a ser a única superpotência na parada. Ou ele pode
justificar a manutenção de
nossa presença no Iraque como uma forma de reduzir a
ameaça de um adversário
mais perigoso, o Irã.
Nixon, claro, extraiu mais
vantagens de seus ataques ao
Camboja. Tornou a oposição
dos democratas à guerra ainda mais estridente, o que ampliou a cisão na sociedade,
um fator que ele explorou
para sua reeleição. Talvez seja possível que Karl Rove, estrategista de Bush, tenha
convencido o presidente de
que, se ele ampliar a guerra,
forçará os democratas a uma
oposição aberta e que, dessa
maneira, poderia se beneficiar da polarização.
Ganhar tempo
Estou inclinado a duvidar
dessa hipótese, porque é
mais provável, a esta altura,
que uma clara maioria dos
americanos rejeite uma ampliação da guerra, e que portanto a polarização que o governo Bush provocaria terminaria por levar ainda mais
gente a se opor ao seu governo e à sua guerra, causando
protestos não só de perigosos esquerdistas mas de
amenos moderados. Mas
Bush, o vice-presidente Dick
Cheney e Karl Rove viram
seus sonhos transformados
em pesadelos, e esses sujeitos não costumam exibir
bom senso nem mesmo
quando as coisas vão bem.
Bush não está calculando
mais nada, a esta altura. Nixon e Kissinger reconheciam, ao menos, a necessidade de encerrar a guerra. Bush
deitou as fundações para
uma retirada, ao dizer que os
americanos retirariam seu
apoio caso o primeiro-ministro Maliki não obtenha sucesso com seu novo plano -e
alguém acredita que ele se
sairá bem?
Mas suponhamos que
Bush deseje simplesmente
manter as coisas como estão,
com tropas americanas estacionadas no Iraque até que
seu mandato se encerre. Se
Bush quiser ficar no Iraque
sem prazo para sair era preciso que dissesse o que disse,
e esperar que isso lhe dê mais
tempo. Da mesma forma que
expandir a guerra ao Irã renova, de uma maneira distorcida, a missão de nossas
forças na região.
Quem é que consegue avaliar os processo mentais deste presidente, que sofre de
tantas distorções psicológicas quanto Nixon mas não
dispõe da capacidade intelectual de seu predecessor?
O "New York Times" informou que, em reunião com líderes do Congresso antes do
discurso, alguém perguntou
a Bush por que ele acreditava
que a nova estratégia funcionaria. "Porque é preciso que
funcione", foi a resposta. Palavras reconfortantes vindas
do líder do mundo livre.
HAROLD MEYERSON é editor executivo da
revista americana "American Prospect",
identificada com o Partido Democrata
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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