São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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EUROPA

Poloneses, cujo símbolo depreciativo na UE é o encanador, lideram imigração do Leste Europeu para o Reino Unido

Trabalho legal faz de Londres lar polonês

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Encontrados por toda Londres, cartazes nas portas dos mercadinhos de bairro anunciam "Polskie Produkty" (produtos poloneses). Tornou-se banal cruzar nas ruas com feições do Leste Europeu e ouvir "dzien dobry" (bom dia), "dowidzenia" (até logo) e o palavrão multiuso "kurwe".
Sessenta anos depois da primeira "invasão" polonesa, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), a capital britânica experimenta uma segunda torrente de imigrantes do país, na esteira da entrada na União Européia, em maio de 2004. O Reino Unido é um dos 3 dos 15 sócios originais da UE a permitir o acesso de cidadãos dos novos integrantes do bloco ao mercado de trabalho (os outros são Suécia e Irlanda).
Entre as dez nações recém-incorporadas, a maioria do Leste Europeu, a Polônia lidera de longe o ranking dos que procuram emprego nas ilhas britânicas. Segundo estatísticas divulgadas em novembro pelo governo, dos 293 mil trabalhadores desses países que solicitaram emprego no Reino Unido nos primeiros 18 meses, 170 mil são da Polônia, que é seguida pela Lituânia, com 40 mil.
Não significa que o número não seja bem maior. Ainda que gozem da permissão para trabalhar, sabe-se que milhares não se registram. Que o digam os famosos encanadores poloneses -tornados símbolo do medo europeu da concorrência dos operários baratos e obstinados do leste quando a França rejeitou a Constituição da UE no ano passado.
Em outro levantamento oficial, de 2005, que contava 230 mil trabalhadores dos novos sócios no Reino Unido, apenas 95 se registraram como sendo encanadores.
O tão falado encanador polonês não é, pois, muito mais que isso, um símbolo, em meio a tantos trabalhadores em tantas áreas, a imensa maioria sem qualificação. Pelos dados oficiais, lideram empregados na indústria, seguidos de assistentes de cozinha, empacotadores e trabalhadores rurais.
É gente como Marek Zdebiak, 27, há quatro em Londres. Pintor e carpinteiro, não tinha emprego na sua Wroclaw. Emigrou. Hoje diz que às vezes precisa rejeitar ofertas. Trabalha de nove a dez horas por dia, mas, "se precisar", mais. Ganha em média 2.000 libras (cerca de R$ 8.000) por mês. Na Polônia, calcula, se juntasse 300 libras pela ocupação seria muito, isso se tivesse mercado -a taxa de desemprego do país está na casa dos 20%.
Em qualquer bairro de Londres há alguma agência oferecendo serviços de operários poloneses, normalmente mais baratos que os dos britânicos. E muitas vezes mais bem feito. "Se pego uma coisa para fazer, dou duro para que fique perfeito. Precisa muito desse trabalho", explica Zdebiak.
"Claro que gostaria de viver na Polônia, claro que sinto falta, principalmente da comida de minha mãe, pierogi [pastel típico], kielbasa [salsicha]", diz ele. "Mas tive de sair, não havia opção."
Em Londres, ele vive uma situação comum a várias comunidades de imigrantes, inclusive a brasileira. Mesmo há tanto tempo na cidade, apenas arranha o inglês. Vive com compatriotas, só conversa em polonês, assina uma TV polonesa e lê jornal em polonês.
Apesar de ser uma concorrência dura aos trabalhadores britânicos, diz que não sofre muita discriminação. "Às vezes eles fazem piadas com meu péssimo inglês."
Apesar de preconceitos ou estereótipos, e do medo francês, alemão ou austríaco, a abertura de toda a UE para trabalhadores como Zdebiak parece próxima. A Comissão Européia tem continuamente ressaltado os impactos positivos da medida nas economias de Reino Unido, Irlanda e Suécia. Afirma que, em vez de gerar desemprego, como se temia, fortaleceu a atividade econômica.
Por parecer inexorável, a tendência entristece a velha guarda. Os poloneses que chegaram a Londres na primeira leva, como Artur Rynkiewicz, 77, foram forçados pela guerra. Hoje vêem jovens que poderiam ser seus netos fazerem o mesmo, por motivos menos urgentes, mas igualmente preocupantes.
Vice-diretor da Associação Social e Cultural Polonesa em Londres (com 10 mil sócios), ele é testemunha viva das duas ondas.
Aos 11 anos, com a mãe e os três irmãos, Rynkiewicz foi mandado pelos russos a campos de trabalho forçado na Sibéria. Dois irmãos morreram e, em 1943, graças a uma anistia negociada pelo governo polonês no exílio, instalado em Londres, desembarcou na capital britânica. Tinha 14 anos.
Era uma cidade muito diferente. "Todas as pontes tinham sido bombardeadas, as placas com nomes de ruas foram arrancadas para impedir espiões, blecautes o tempo todo", lembra.
Fez treinamento militar na Palestina e na Royal Air Force. Não chegou a ir para o front. Orgulha-se de ter sido ministro de Negócios de Imigração do governo polonês no exílio, instalado em 1940 e que funcionou até 1990, quando houve a primeira eleição do país redemocratizado.
"É muito triste, porque esses jovens só saem porque a Polônia tem um desemprego enorme, eles são forçados a sair. Qual o futuro do nosso país?", questiona ele.
Quando Rynkiewicz chegou a Londres, havia 5.000 poloneses no Reino Unido. Durante a Segunda Guerra e depois, o número atingiu 400 mil. É o mesmo que se estima que haja hoje no país.


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