|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUROPA
Poloneses, cujo símbolo depreciativo na UE é o encanador, lideram imigração do Leste Europeu para o Reino Unido
Trabalho legal faz de Londres lar polonês
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Encontrados por toda Londres,
cartazes nas portas dos mercadinhos de bairro anunciam "Polskie
Produkty" (produtos poloneses).
Tornou-se banal cruzar nas ruas
com feições do Leste Europeu e
ouvir "dzien dobry" (bom dia),
"dowidzenia" (até logo) e o palavrão multiuso "kurwe".
Sessenta anos depois da primeira "invasão" polonesa, durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-45), a capital britânica experimenta uma segunda torrente de
imigrantes do país, na esteira da
entrada na União Européia, em
maio de 2004. O Reino Unido é
um dos 3 dos 15 sócios originais
da UE a permitir o acesso de cidadãos dos novos integrantes do
bloco ao mercado de trabalho (os
outros são Suécia e Irlanda).
Entre as dez nações recém-incorporadas, a maioria do Leste
Europeu, a Polônia lidera de longe o ranking dos que procuram
emprego nas ilhas britânicas. Segundo estatísticas divulgadas em
novembro pelo governo, dos 293
mil trabalhadores desses países
que solicitaram emprego no Reino Unido nos primeiros 18 meses,
170 mil são da Polônia, que é seguida pela Lituânia, com 40 mil.
Não significa que o número não
seja bem maior. Ainda que gozem
da permissão para trabalhar, sabe-se que milhares não se registram. Que o digam os famosos encanadores poloneses -tornados
símbolo do medo europeu da
concorrência dos operários baratos e obstinados do leste quando a
França rejeitou a Constituição da
UE no ano passado.
Em outro levantamento oficial,
de 2005, que contava 230 mil trabalhadores dos novos sócios no
Reino Unido, apenas 95 se registraram como sendo encanadores.
O tão falado encanador polonês
não é, pois, muito mais que isso,
um símbolo, em meio a tantos
trabalhadores em tantas áreas, a
imensa maioria sem qualificação.
Pelos dados oficiais, lideram empregados na indústria, seguidos
de assistentes de cozinha, empacotadores e trabalhadores rurais.
É gente como Marek Zdebiak,
27, há quatro em Londres. Pintor
e carpinteiro, não tinha emprego
na sua Wroclaw. Emigrou. Hoje
diz que às vezes precisa rejeitar
ofertas. Trabalha de nove a dez
horas por dia, mas, "se precisar",
mais. Ganha em média 2.000 libras (cerca de R$ 8.000) por mês.
Na Polônia, calcula, se juntasse
300 libras pela ocupação seria
muito, isso se tivesse mercado
-a taxa de desemprego do país
está na casa dos 20%.
Em qualquer bairro de Londres
há alguma agência oferecendo
serviços de operários poloneses,
normalmente mais baratos que os
dos britânicos. E muitas vezes
mais bem feito. "Se pego uma coisa para fazer, dou duro para que
fique perfeito. Precisa muito desse trabalho", explica Zdebiak.
"Claro que gostaria de viver na
Polônia, claro que sinto falta,
principalmente da comida de minha mãe, pierogi [pastel típico],
kielbasa [salsicha]", diz ele. "Mas
tive de sair, não havia opção."
Em Londres, ele vive uma situação comum a várias comunidades
de imigrantes, inclusive a brasileira. Mesmo há tanto tempo na cidade, apenas arranha o inglês. Vive com compatriotas, só conversa
em polonês, assina uma TV polonesa e lê jornal em polonês.
Apesar de ser uma concorrência
dura aos trabalhadores britânicos, diz que não sofre muita discriminação. "Às vezes eles fazem
piadas com meu péssimo inglês."
Apesar de preconceitos ou estereótipos, e do medo francês, alemão ou austríaco, a abertura de
toda a UE para trabalhadores como Zdebiak parece próxima. A
Comissão Européia tem continuamente ressaltado os impactos
positivos da medida nas economias de Reino Unido, Irlanda e
Suécia. Afirma que, em vez de gerar desemprego, como se temia,
fortaleceu a atividade econômica.
Por parecer inexorável, a tendência entristece a velha guarda.
Os poloneses que chegaram a
Londres na primeira leva, como
Artur Rynkiewicz, 77, foram forçados pela guerra. Hoje vêem jovens que poderiam ser seus netos
fazerem o mesmo, por motivos
menos urgentes, mas igualmente
preocupantes.
Vice-diretor da Associação Social e Cultural Polonesa em Londres (com 10 mil sócios), ele é testemunha viva das duas ondas.
Aos 11 anos, com a mãe e os três
irmãos, Rynkiewicz foi mandado
pelos russos a campos de trabalho
forçado na Sibéria. Dois irmãos
morreram e, em 1943, graças a
uma anistia negociada pelo governo polonês no exílio, instalado
em Londres, desembarcou na capital britânica. Tinha 14 anos.
Era uma cidade muito diferente.
"Todas as pontes tinham sido
bombardeadas, as placas com nomes de ruas foram arrancadas para impedir espiões, blecautes o
tempo todo", lembra.
Fez treinamento militar na Palestina e na Royal Air Force. Não
chegou a ir para o front. Orgulha-se de ter sido ministro de Negócios de Imigração do governo polonês no exílio, instalado em 1940
e que funcionou até 1990, quando
houve a primeira eleição do país
redemocratizado.
"É muito triste, porque esses jovens só saem porque a Polônia
tem um desemprego enorme, eles
são forçados a sair. Qual o futuro
do nosso país?", questiona ele.
Quando Rynkiewicz chegou a
Londres, havia 5.000 poloneses no
Reino Unido. Durante a Segunda
Guerra e depois, o número atingiu 400 mil. É o mesmo que se estima que haja hoje no país.
Texto Anterior: Haiti: Resultado de eleição deve sair hoje Próximo Texto: Premiê belga propõe relançar a UE como "Estados Unidos da Europa" Índice
|