São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 2002

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TENSÃO NO ORIENTE MÉDIO

Chanceler israelense e representante palestino em Jerusalém culpam um o líder do outro pelo fracasso do processo de paz na região

Moderados pedem a mudança dos líderes

DO ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

Separados por profundas divergências e uma formidável pilha de cadáveres, lideranças tidas como moderadas dos dois lados do confronto israelo-palestino conseguem, no entanto, ter algo em comum: cada lado pede a troca do líder do outro ou a mudança de mentalidade, como única saída.
Visivelmente abatido, no seu escritório de Tel Aviv, o ministro israelense do Exterior, Shimon Peres (Prêmio Nobel da Paz), diz que Iasser Arafat, o líder palestino, teve "um comportamento impossível", não se dispõe a combater o terrorismo e, agora, "os israelenses estão nos dizendo que ele não é mais um parceiro [com o qual fazer a paz]".
No seu escritório de reitor da universidade palestina Al Quds (o nome árabe para Jerusalém), o filósofo Sari Nusseibeh, representante palestino para Jerusalém, diz mais ou menos a mesma coisa que Ariel Sharon, o premiê israelense, e se queixa de que "está difícil encontrar aliados para a paz".
A solidão dos dois defensores da paz, ainda que Shimon Peres faça parte de um governo envolvido em enorme operação de guerra, é um raro ponto que têm em comum. No mais, discordam em quase tudo.
Peres, por exemplo, afirma que Israel, no governo do trabalhista Ehud Barak, ofereceu a Iasser Arafat "tudo o que era possível: 97% das terras (palestinas), uma posição em Jerusalém Oriental (majoritariamente palestina), e ele rejeitou".
Peres refere-se à reunião entre os líderes das duas partes em Camp David (residência oficial perto de Washington), ainda sob a intermediação do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, há dois anos.
Nusseibeh, que não recusa o rótulo de moderado, reage: "Eu, se fosse Arafat, também teria dito não em Camp David".
Por quê? Simples, responde o palestino: "Não ofereceram o que nós palestinos esperávamos, que era o retorno de Israel às fronteiras anteriores à guerra de 1967, incluindo Jerusalém Oriental, e a criação do Estado palestino".
Em 1967, Israel conquistou os territórios palestinos que ainda hoje ocupa, na Cisjordânia e também na faixa de Gaza, que devolveu, embora mantenha algumas colônias judaicas nessa região.

Terrorismo
Quem é o responsável pela violência? De novo, os dois pacifistas estão em profundo desacordo. Peres, como é natural, culpa o terrorismo palestino, lembra as 126 mortes de israelenses apenas no mês de março e comenta:
"Quando um menino de 13 anos usa um cinto explosivo em seu peito, o que podemos fazer?", questiona.
Nusseibeh até condena, com energia, o terrorismo palestino. "Foram os ataques terroristas em Israel que afastaram de nós os parceiros pela paz", diz.
Mas também tem a sua lembrança: "Antes de o primeiro israelense ser morto, mataram 54 palestinos".
Refere-se ao número de mortos, no lado palestino, em consequência da revolta provocada pela visita de Ariel Sharon, então líder da oposição, à Esplanada das Mesquitas (Haram el Sharif, para os árabes), em setembro de 2000.
O local é sagrado para os muçulmanos, entre outras razões, porque abriga a mesquita a partir da qual o profeta Maomé, segundo a tradição, subiu aos céus.
Os dois voltam, no entanto, a coincidir quando se trata de discutir o afastamento ou não de Arafat e/ou de Sharon.
Peres, ao contrário de Sharon, não quer ver o líder palestino exilado. Até diz que, se ele e seu Partido Trabalhista não estivessem no governo, certamente Arafat teria sido deportado.
Mas quer, sim, que Arafat modifique suas políticas. Seria a única forma de devolver o conflito à via político-diplomática.
"Será que é tão difícil ele fazer um discurso em árabe repudiando o terrorismo?", pergunta o ministro israelense.
Mas Peres não é relativamente condescendente com Arafat porque confia nele. É mera falta de alternativa: "Não temos ninguém mais (na liderança palestina). Ele é quem tem de mudar suas políticas", afirma.
Nusseibeh vai um pouco pelo mesmo caminho ao se referir a Sharon. Acha que não se trata de pura e simplesmente substituí-lo, porque o primeiro-ministro está atuando de acordo com o humor do público israelense.
Caberia, pois, aos próprios palestinos conter a sua ira, de forma a que os israelenses passassem a se sentir seguros. "Nós liberamos o monstro que havia dentro deles", afirma.
Sentindo-se seguros, os israelenses estariam dispostos ou a eleger outro líder, menos duro que Ariel Sharon, ou o seu novo espírito levaria o próprio Sharon a fazer as concessões que atendam os sempre postergados sonhos palestinos.

"Vizinho não se escolhe"
O filósofo conta que surpreendeu o público israelense, em palestra recente na Universidade Hebraica de Jerusalém, ao afirmar: "Os melhores aliados de Israel não são os Estados Unidos, mas os palestinos".
Afinal, é com os palestinos que os israelenses terão de conviver, por uma determinação da geografia.
Peres, no entanto, mesmo sendo moderado no espectro político israelense, não parece nada feliz com a geografia: "Há duas coisas na vida que não se pode escolher: os pais e os vizinhos", filosofa.
Nesse festival de dissonâncias, o inacreditável é que as duas partes concordam em que a criação de dois Estados entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, um para os judeus, outro para os palestinos, é a única forma de fato definitiva de colocar fim ao conflito.
O problema está na forma que tomaria o Estado palestino e na definição de sua capital. Os 97% da Cisjordânia e uma "posição em Jerusalém Oriental" que Peres diz que foram prometidos em Camp David ficam "aquém do mínimo" com que sonham os palestinos, diz Nusseibeh.
Se os moderados pensam assim, não é difícil imaginar o que pensam os radicais de parte a parte. (CLÓVIS ROSSI)


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