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Nova política contra drogas dos EUA alia prevenção à repressão
Foco deixa de ser apenas a "guerra contra drogas" e passa a incluir tratamento da questão como tema de saúde pública
Críticos, porém, apontam discrepância entre discurso
interno e prática adotada por americanos no combate ao tráfico em países produtores
ANDREA MURTA
DE WASHINGTON
Em clara mudança de linguagem, o governo Barack Obama
anunciou ontem sua nova estratégia antidrogas para os
EUA, que divide esforços entre
prevenção e tratamentos, de
um lado, e cooperação internacional e repressão, de outro.
"Esta estratégia pede uma
abordagem equilibrada para
confrontar o complexo desafio
das drogas e suas consequências", disse o presidente.
"Ao aumentar a prevenção
comunitária, expandir tratamentos, fortalecer a ação policial e trabalhar com nossos parceiros globais, poderemos reduzir o uso de drogas e o dano
que ele causa."
A retórica do governo americano foi considerada a mais balanceada das últimas décadas,
passando parte da concentração histórica na política repressiva da "guerra às drogas" para
um enfoque mais voltado para
saúde pública.
Analistas advertem, porém,
que enquanto o plano dá um
passo na direção correta, não
representa reviravolta profunda nas políticas fracassadas do
passado, especialmente quanto
à ação internacional.
"Não parece haver muito na
estratégia que aponte para uma
nova forma de pensar [em termos de cooperação com outros
países]", disse à Folha John
Walsh, analista para drogas do
grupo Agência Washington para a América Latina (Wola, na
sigla em inglês). "No geral, é
uma melhora, mas o ponto de
partida é muito ruim."
A política externa antidrogas
americana é percebida como
focada apenas em ações policiais e militares. Os críticos
veem uma dicotomia ultrapassada entre país consumidor (os
EUA) e países produtores (como Colômbia, Bolívia, México
e outros), que são alvo de ações
repressivas.
O czar antidrogas de Obama,
Gil Kerlikowske, afirmou ontem em entrevista que os EUA
cada vez mais "reconhecem a
responsabilidade de enxugar o
mercado consumidor".
"Desde que o presidente [Richard] Nixon [1969-1974] declarou as drogas o inimigo público número um, os EUA não
veem grandes sucessos na
"guerra contra as drogas". Chamar isso de guerra, aliás, limita
muito o escopo de ações; faz
mais sentido falar em segurança pública e saúde pública."
Assim, pretende-se fortalecer novos tratamentos baseados em resultados no sistema
tradicional de saúde e inovações no sistema de Justiça,
com tribunais especiais para os
envolvidos em atividades criminosas relacionadas ao uso de
drogas.
Para Walsh, se existe uma
nova percepção do problema
nos EUA, ela tem tido pouca influência na política externa.
"A experiência dos últimos
40 anos indica que não somos
bem-sucedidos em acabar com
a oferta de drogas; só podemos
moldar o mercado consumidor
por meio de repressão aliada ao
apoio econômico. Mas essa forma de pensar é mais vista dentro do que fora dos EUA."
O analista nota, porém, que o
governo Obama vem evitando
criticar parceiros externos por
políticas com as quais não concorda, como a descriminalização da maconha.
Ontem, Kerlikowske reiterou apenas que o governo Obama é contra a "liberação" da
maconha, mesmo para uso medicinal -embora a prática seja
permitida em alguns Estados
americanos.
O esforço de relações públicas ao público internacional é
evidente. Kerlikowske falou à
imprensa estrangeira antes de
dar entrevistas à mídia nacional. E, em seus comentários,
ações mais polêmicas de combate ao tráfico no exterior foram relegadas a último plano.
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