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ARTIGO
O mundo ainda vai ouvir muito sobre a Terceira Via
ANTHONY GIDDENS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Seis anos atrás, quando a primeira Cúpula da Governança
Progressista reuniu líderes de
centro-esquerda de todo o mundo, perto de Londres, a situação
política dos EUA e da Europa era
muito diferente da atual. Bill Clinton estava na Casa Branca e era
um dos mais ardentes defensores
desse tipo de encontro. Dos 15
países da União Européia, 11 eram
governados por partidos ou coalizões de centro-esquerda. A Terceira Via -social-democracia
modernizada- parecia estar
triunfando em praticamente todos os lugares. Agora quase tudo
isso parece ter mudado. Os republicanos dominam o cenário nos
EUA, e a União Européia está sob
o comando da direita. Será que a
Terceira Via morreu?
Absolutamente não, é o que respondo. Os partidos de centro-esquerda podem ter perdido terreno na União Européia, mas registraram sucessos em outros lugares. Os governos da República
Tcheca, da Hungria e da Polônia
-além dos da Suécia, da Alemanha e do Reino Unido- agora
vêm seguindo programas revisionistas fortemente influenciados
pelas idéias e políticas da Terceira
Via. O mesmo se aplica ao novo
governo do Brasil. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva abandonou a retórica esquerdista mais
tradicional de seus primeiros dias
na política em favor de uma posição que se assemelha fortemente
à dos partidos social-democratas
modernizantes da Europa.
Os críticos dizem que a Terceira
Via não tem conteúdo, que foi inventada pelos especialistas em
marketing político. Mas é exatamente o oposto que é verdade. O
pensamento da Terceira Via é dominado pela inovação política e
pela necessidade de reagir às mudanças sociais. Seus contornos
são tão claros como sempre foram: a reestruturação do Estado e
do governo para torná-los mais
democráticos e responsáveis; a reformulação dos sistemas de seguridade social para adequá-los aos
principais riscos que as pessoas
enfrentam hoje; a ênfase na criação de empregos, acoplada à reforma dos mercados de trabalho;
o compromisso com a disciplina
fiscal; o investimento em serviços
públicos, mas apenas nas áreas ligadas à reforma; o investimento
no capital humano como fator
crucial para o sucesso na economia do conhecimento; o equilíbrio entre os direitos e as responsabilidades dos cidadãos e uma
abordagem multilateralista quanto à globalização e às relações internacionais.
Os recentes sucessos eleitorais
da direita não nasceram de uma
nova ideologia política capaz de
se equiparar ao pensamento da
Terceira Via. O conservadorismo
compassivo pode ter ajudado
George W. Bush a chegar ao poder com enorme dificuldade, mas
dificilmente se poderia classificá-lo de uma filosofia política desenvolvida. Na Europa, a direita foi
reconduzida ao governo com base em uma onda de populismo de
extrema-direita. Os temas universais dessa "revolta populista" são
a ansiedade quanto à imigração,
ao multiculturalismo e ao crime.
É um movimento que se opõe às
instituições, reflete a inquietação
em relação aos mecanismos democráticos ortodoxos e se aproveita da preocupação com a perda
de identidade nacional, na Europa, e, de maneira mais geral, com
o impacto da globalização. O centro-direita normalizou alguns
desses temas populistas e os incorporou às suas perspectivas. O
sucesso que obteve foi, em larga
medida, fruto do oportunismo.
O centro-esquerda continua em
posição forte. Mas ninguém deveria duvidar de que há muito a repensar. Os progressistas precisam
responder não só às questões que
a direita populista colocou em foco mas também às mudanças
mundiais mais amplas. O mundo
se alterou enormemente desde o
começo dos anos 90. Naquela
época, o ambiente mundial parecia relativamente benigno, com o
final da Guerra Fria e a perspectiva de crescimento constante a
longo prazo. Depois de 11 de setembro de 2001, houve os conflitos no Afeganistão e no Iraque, os
protestos populares contra a globalização, o estouro da bolha financeira e os escândalos corporativos que se seguiram. E, com o
crescimento econômico rateando
em quase todas as partes, as coisas
parecem mais difíceis.
Ao formular a nossa resposta a
esses desdobramentos, devemos
observar as experiências dos governos e partidos de centro-esquerda em toda a Europa, na
América do Norte e em outras
partes. Precisamos, por exemplo,
de uma defesa mais robusta da esfera pública, dos bens e interesses
públicos, do que a que o pensamento progressista atual vem
conseguindo apresentar. Acredito que seja possível reviver a confiança no governo, e deveríamos
trabalhar para garantir isso. Novos modelos de governança corporativa deveriam ter posição importante na agenda, e o mesmo se
aplica a maneiras radicais de eliminar as desigualdades, que continuam a crescer no mundo todo.
Alguns críticos descartam esse
tipo de evento, dizendo ser uma
fuga à "verdadeira política" aquela política que envolve enfrentar
as preocupações cotidianas do
eleitorado e os dilemas do governo. Mas nossas discussões terão
impacto prático e poderão dar
forma ao pensamento e às práticas da esquerda por muitos anos.
Anthony Giddens, nascido em 1938, é
diretor da London School of Economics e
preside os grupos de políticas públicas
da Cúpula da Governança Progressista
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