São Paulo, quarta-feira, 12 de agosto de 2009

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Tropas padecem em área tribal do Paquistão

"O grande problema é não saber em quem estou atirando", diz capitão, para quem os inimigos "são iguais a todos nas vilas"

Com US$ 200 de salário, soldados no combate ao Taleban não compartilham do otimismo do comando e relatam crise de consciência

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

Se os comandantes são em geral otimistas, a situação na tropa é algo diferente nas áreas tribais do Paquistão, palco de combates entre militantes do Taleban e o Exército paquistanês. Soldados em condições péssimas e capitães jovens com crise de consciência são constantes na frente de batalha.
Na semana passada, a Folha esteve em três centros de comando, visitou postos avançados e acompanhou patrulhas de soldados paquistaneses.
Há uma sensação generalizada de que o esforço não é apreciado no Ocidente. Foi o que disse Nahim, soldado de Dir que, como outros, conheceu vários brasileiros por ter servido nas tropas de paz do Haiti. "Em me lembro dos brasileiros perguntando o que acontecia aqui. Ninguém sabe."
"Para mim, o grande problema é não saber em quem estou atirando. Eles não têm uniforme, são iguais a todos nas vilas", diz o capitão Nadaz Iqbal, 25, baseado em Lal Qila (Distrito de Dir). Como a maioria de seus companheiros, ele também entende a motivação de alguns de seus adversários.
"Para ganhar cinco, oito vezes mais? Até eu penso duas vezes", ri, revelando um salário de cerca de US$ 300, US$ 100 a mais do que o de um soldado. "Ele é meu orgulho. Agora as coisas estão mais calmas aqui, mas ele é um herói", diz seu comandante, coronel Said.
Isso devido a um feito em junho. Como um Fitzcarraldo paquistanês, Iqbal dirigiu sozinho um tanque Al Zarrar numa trilha absurda de montanha que Said mostra às custas de dois pneus furados em sua picape com uma metralhadora e seis soldados na caçamba.
Só que diferentemente do personagem de Klaus Kinski no filme homônimo de Werner Herzog, que levou seu barco de um rio a outro morro acima com a ajuda de nativos, Iqbal foi alvejado por eles. "Sorte que o tanque aguentou", diz, ao lado da versão modernizada do velho T-59 soviético, ainda posicionado na elevação.

Condições precárias
Nos postos avançados, geralmente casas destruídas com paredes refeitas com tijolos de barro, os soldados vivem miseravelmente. A diversão vem de rodas para contar histórias de guerra como as de Iqbal. Todos comem a mesma comida, quase invariavelmente o chicken karahi (galinha com arroz e muita, muita pimenta).
Os postos mais altos nas montanhas, como o que fica perto de Kumbar, são disputados porque lá o sinal de celular costuma pegar. "Posso falar com minha mãe, ela fica mais tranquila", diz o capitão Farhad, 25. No alto de uma antena de comunicações no posto, o soldado Attar está aboletado com sua Kalashnikov observando o vale abaixo. É o sinal? "Não, não tenho celular. Mas a vista é bonita."
As camas são idênticas às vistas nas margens de estradas paquistanesas: de madeira e cordas entrelaçadas, como uma maca. Ficam ao ar livre, para dar conta do calor de quase 40C desta época do ano.
O clima impõe casos de insolação às tropas, que usam pesados coletes à prova de bala no calor. Mas o grande perigo mesmo são os estilhaços.
No Hospital Militar Central de Peshawar, havia há uma semana 27 feridos em atendimento, a maioria deles atingidos por explosões de morteiros ou bombas improvisadas.
Foi o caso de Shahim Hussein, 26, que estava no vale do Swat na noite anterior.
"Eles atiraram e jogaram dois morteiros. Quatro companheiros abraçaram o "shahadat'", disse ele, referindo-se ao martírio sagrado do islã.
Deus, martírio pela fé e vários preceitos religiosos que o Ocidente está acostumado a associar aos extremistas são moeda corrente para o cotidiano do soldado paquistanês.
Hussein preferia uma solução negociada para o conflito. "Acho sempre melhor conversar antes de atirar", disse.
O hospital estava vazio. Uma ala esperava eventuais feridos, mas denotava queda de intensidade do conflito. "Tivemos 1.800 atendimentos e 134 mortes desde abril", conta o médico-chefe, Muhammad Khalid.


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