São Paulo, quarta, 12 de agosto de 1998

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RUMO À TERRA SANTA
Mouallen, nomeado arcebispo da Galiléia (Israel), mora no Brasil desde 90; indicação desagradou a 'Bibi'
Não sou uma ameaça, diz arcebispo

PAULO DANIEL FARAH
da Redação

"Sempre fui um elemento de pacificação, minha vida toda", afirma o recém-nomeado arcebispo da Galiléia (norte de Israel), o palestino Pierre Mouallem, que vive no Brasil desde 1990.
Na semana passada, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, deixou claro a líderes da Igreja Greco-Melquita e do Vaticano que não queria que Mouallem fosse nomeado arcebispo da Galiléia. A interferência desagradou ao Vaticano, que disse ao governo de Israel que um acordo entre os dos países garante "a autonomia da igreja e do Estado, cada um em seu próprio domínio".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Mouallem concedeu à Folha na Igreja Greco-Melquita Católica do Brasil Nossa Senhora do Paraíso, localizada no bairro do Paraíso, zona sudoeste de São Paulo.


Folha - O senhor acha que as relações entre o Vaticano e Israel possam ser prejudicadas?
Pierre Mouallem -
Acho que as coisas vão se arrumar. Estranhei o que aconteceu; não pude acreditar. Deve haver algo errado. Nunca tive problemas com ninguém.
Folha - Isso pode atrapalhar a sua missão de alguma maneira?
Mouallem -
Acho que não. Não estou ameaçando ninguém. Sempre fui um elemento de pacificação, toda a minha vida. Acho que quando as coisas ficarem mais claras, eles verão a realidade.
Folha - O senhor lembra um pouco da sua infância na Galiléia?
Mouallem -
Naquela época, minha aldeia era pequena. Vivíamos com muita calma, com boa convivência. Meu avô era padre, meu pai era padre. Eu me lembro bem de que meu avô era pároco na aldeia, mas tinha grande influência na região toda. Não só os cristãos, mas os muçulmanos, os drusos o respeitavam. Quando havia um litígio, mesmo o governo do mandato britânico de então deixava que ele fizesse a conciliação fora dos tribunais. Ele fazia a reconciliação das tribos.
Folha - Como funciona o processo de eleição de bispos?
Mouallem -
Na Igreja Melquita temos um estatuto especial. Nas outras igrejas católicas orientais, cada eleição deve ser aprovada por Roma. No caso dos melquitas, é um pouco diferente. Os sínodos (do grego "synodus", que significa reunião, concílio) podem apresentar candidatos ao bispado. Constituem-se assim listas de episcopáveis. Esses nomes são enviados a Roma. Se não houver uma razão especial, geralmente são aprovados. Se houver uma razão, chama-se a atenção do sínodo. Podemos ter 15, 20 nomes disponíveis. Quando há a necessidade de eleger um bispo para uma diocese, existe uma lista. Se o eleito já figura nela, não precisa mais de uma aprovação. Caso contrário, o nome é enviado a Roma para ser aprovado. Nos países da imigração, o procedimento é um pouco diferente. Eu, por exemplo, faço parte do sínodo no Oriente e da CNNB. O sínodo elege três nomes, que manda para Roma. Roma faz o inquérito necessário, e o Santo Padre (o papa) escolhe um desses três nomes. Assim foi meu caso.
Folha - No caso de arcebispos...
Mouallem -
O procedimento é o mesmo para arcebispo e bispo.
Folha - Qual foi sua trajetória até a nomeação?
Mouallem -
Fui um dos primeiros a convidar xeques muçulmanos ao meu convento para dar palestras aos seminaristas. No Líbano, havia mesas redondas na televisão. Duas, três horas com os xeques. Eu dirigia o diálogo. Acho que foi por isso que o papa Paulo 6º me deu a honra de ser o único oriental na Comissão Católica do Diálogo Teológico Católico Ortodoxo. Participei de um congresso em Nova Déli, (em 93) sobre várias religiões: cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo etc. Um instituto judeu e um cristão me convidaram para um congresso em Israel. Tenho muita amizade com xeques, rabinos.



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