São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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Ação põe em dúvida doutrina republicana

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os impressionantes ataques de ontem, contra ícones e pontos nevrálgicos do império norte-americano, demonstraram a vulnerabilidade da única superpotência do planeta e representaram um golpe abaixo da cintura nos cálculos de segurança nacional do governo de George W. Bush.
Nessa área, a administração republicana destacou como prioridade a implantação do sofisticado e polêmico plano de um escudo antimísseis, destinado a proteger o país de projéteis disparados a longa distância, a partir de paragens inimigas. Mas os terroristas do século 21 usaram aviões comerciais, sem o glamour dos mísseis intercontinentais tão temidos pela Casa Branca.
Bush não vai abrir mão do sistema projetado para interceptar e destruir mísseis inimigos durante o vôo, ainda na atmosfera. Vai até mesmo, apoiado na tragédia de ontem, agitar o fantasma do terrorismo como uma das grandes ameaças à hegemonia americana.
Mas a Casa Branca terá de abrir mão de sua "obsessão teológica" de colocar o escudo antimísseis como ponto central de sua política de defesa, para admitir uma abordagem mais flexível, que preveja esforços e recursos para aprimorar, por exemplo, o serviço de contra-inteligência do país.
A expressão "obsessão teológica" foi usada por democratas em críticas à ênfase usada pelos republicanos para defender o escudo, que corresponde a um filhote do reaganiano "Guerra nas Estrelas", proposto ainda nos tempos da rivalidade com a finada URSS.
A leitura republicana deste início de século destaca a necessidade de preparar os EUA para ataques de mísseis de longo alcance disparados por "Estados irresponsáveis", como a Coréia do Norte ou o Irã, ou por terroristas. O escudo, apesar de custos avaliados em até US$ 60 bilhões e de dúvidas sobre a sua eficácia, se transformou na maior bandeira do governo na área de defesa, apesar de críticas feitas até por aliados.
A resistência ao projeto americano é liderada pela China, que enxerga na iniciativa um passo decisivo para o aumento e a consolidação da vantagem estratégica dos EUA. Pequim, ao lado de Moscou, diz que a implantação do escudo vai deslanchar uma nova corrida armamentista.
Os fatos de ontem mostram que a Casa Branca não pode canalizar praticamente toda a sua energia na área de defesa a preocupações como mísseis intercontinentais. O perigo de destruição em massa pode estar em ferramentas bem menos sofisticadas, como aviões comerciais.

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