São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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GUERRA NA AMÉRICA

ANÁLISE

"Estamos em guerra, mas não sabemos quem é o inimigo"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A frase que talvez melhor simbolize o estado de espírito da comunidade de defesa norte-americana pertence a quem entende de guerra, o general da reserva Julius Becton Jr., vice-presidente da Associação do Exército dos Estados Unidos:
"Estamos em guerra, mas ainda não sabemos quem é exatamente o inimigo", disse Becton à Folha.
De fato, o ataque a dois dos símbolos do poderio norte-americano, o World Trade Center e o Pentágono, foi encarado como mais que um atentado terrorista. Foi um verdadeiro ato de guerra.
Mas não havia, pelo menos até o fim da tarde de ontem, qualquer especulação sobre como o governo do presidente George Walker Bush reagiria, exatamente porque, como diz Becton, não há um inimigo perfeitamente identificado a quem atingir.
Outro especialista em assuntos militares, Douglas Lovelace Jr., diretor do Instituto de Estudos Estratégicos, também é cauteloso ao analisar a reação norte-americana.
"Não posso adivinhar. Não há informações suficientes até agora", diz Lovelace.
Tanto ele como Becton (que também é pesquisador do CSIS, Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais) preferem o politicamente correto, mesmo na hora de uma tragédia, a apontar o dedo acusador para terroristas árabes, suspeitos habituais nessas ocasiões.
Becton limita-se a dizer que "foi um ataque terrorista da pior espécie. Só faltou o uso de armas biológicas ou químicas".
Lovelace complementa: "Foi um ataque terrorista de horrendas proporções, que só pode ter sido praticado por um grupo patrocinado por alguém que tenha tremendos recursos à sua disposição".
Lovelace chama a atenção para a necessidade de que os responsáveis pelos ataques de ontem dispusessem de recursos não apenas financeiros, mas também "intelectuais", dado o grau de coordenação demonstrado nas operações.
O que horroriza o público norte-americano (vítimas civis e absolutamente inocentes) impacta também os especialistas em defesa.
Becton chega a comparar o ataque de ontem ao que as forças armadas japonesas praticaram, em dezembro de 1941, contra a base norte-americana de Pearl Harbor, o que provocou a entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial.
Mas ele, de imediato, estabelece a diferença: "Pearl Harbor foi um ataque contra militares. O de ontem foi um atentado contra civis, contra a civilização".
Becton acaba concordando com a observação da Folha de que há uma segunda e fundamental diferença entre o ataque a Pearl Harbor e o de ontem: a base ficava nos confins dos EUA (no Havaí, mais exatamente), ao passo que o Pentágono e o World Trade Center ficam no coração do país.
Como pode parecer tão vulnerável o coração da única superpotência restante no planeta?
A resposta recorre, de novo, ao politicamente correto:
"Uma democracia, ainda mais tão aberta como é a norte-americana, será sempre vulnerável a esse tipo de ataque suicida", responde Douglas Lovelace.
Completa o especialista: "Tomamos as necessárias precauções, mas elas não podem constranger os cidadãos".
O pior, na análise ouvida pela Folha, é que a estratégia de defesa norte-americana concebida para enfrentar um inimigo certo e sabido (a União Soviética, talvez a China) torna-se inadequada quando o país não sabe quem é o inimigo, como constatou o general Becton.
Ainda mais quando pelo menos uma parte do "exército" inimigo já morreu no próprio ataque, pelas suas características suicidas.
De todo modo, Lovelace, também professor do Colégio de Guerra do Exército norte-americano, supõe que a busca a
os atacantes, já anunciada pelo presidente Bush, não se limitará aos indivíduos.
"Será preciso identificar os grupos que prepararam e perpetraram os ataques", diz Lovelace.
Falta agora dar um rosto ao inimigo.

Leia mais sobre os atentados nos EUA na Folha Online


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