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GUERRA NA AMÉRICA
ANÁLISE
"Estamos em guerra, mas não sabemos quem é o inimigo"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A frase que talvez melhor simbolize o estado de espírito da comunidade de defesa norte-americana pertence a quem entende de
guerra, o general da reserva Julius
Becton Jr., vice-presidente da Associação do Exército dos Estados
Unidos:
"Estamos em guerra, mas ainda
não sabemos quem é exatamente
o inimigo", disse Becton à Folha.
De fato, o ataque a dois dos símbolos do poderio norte-americano, o World Trade Center e o Pentágono, foi encarado como mais
que um atentado terrorista. Foi
um verdadeiro ato de guerra.
Mas não havia, pelo menos até o
fim da tarde de ontem, qualquer
especulação sobre como o governo do presidente George Walker
Bush reagiria, exatamente porque, como diz Becton, não há um
inimigo perfeitamente identificado a quem atingir.
Outro especialista em assuntos
militares, Douglas Lovelace Jr., diretor do Instituto de Estudos Estratégicos, também é cauteloso ao
analisar a reação norte-americana.
"Não posso adivinhar. Não há
informações suficientes até agora", diz Lovelace.
Tanto ele como Becton (que
também é pesquisador do CSIS,
Centro de Estudos Estratégicos e
Internacionais) preferem o politicamente correto, mesmo na hora
de uma tragédia, a apontar o dedo
acusador para terroristas árabes,
suspeitos habituais nessas ocasiões.
Becton limita-se a dizer que "foi
um ataque terrorista da pior espécie. Só faltou o uso de armas biológicas ou químicas".
Lovelace complementa: "Foi
um ataque terrorista de horrendas proporções, que só pode ter
sido praticado por um grupo patrocinado por alguém que tenha
tremendos recursos à sua disposição".
Lovelace chama a atenção para
a necessidade de que os responsáveis pelos ataques de ontem dispusessem de recursos não apenas
financeiros, mas também "intelectuais", dado o grau de coordenação demonstrado nas operações.
O que horroriza o público norte-americano (vítimas civis e absolutamente inocentes) impacta
também os especialistas em defesa.
Becton chega a comparar o ataque de ontem ao que as forças armadas japonesas praticaram, em
dezembro de 1941, contra a base
norte-americana de Pearl Harbor,
o que provocou a entrada dos
EUA na 2ª Guerra Mundial.
Mas ele, de imediato, estabelece
a diferença: "Pearl Harbor foi um
ataque contra militares. O de ontem foi um atentado contra civis,
contra a civilização".
Becton acaba concordando com
a observação da Folha de que há
uma segunda e fundamental diferença entre o ataque a Pearl Harbor e o de ontem: a base ficava nos
confins dos EUA (no Havaí, mais
exatamente), ao passo que o Pentágono e o World Trade Center ficam no coração do país.
Como pode parecer tão vulnerável o coração da única superpotência restante no planeta?
A resposta recorre, de novo, ao
politicamente correto:
"Uma democracia, ainda mais
tão aberta como é a norte-americana, será sempre vulnerável a esse tipo de ataque suicida", responde Douglas Lovelace.
Completa o especialista: "Tomamos as necessárias precauções, mas elas não podem constranger os cidadãos".
O pior, na análise ouvida pela
Folha, é que a estratégia de defesa
norte-americana concebida para
enfrentar um inimigo certo e sabido (a União Soviética, talvez a
China) torna-se inadequada
quando o país não sabe quem é o
inimigo, como constatou o general Becton.
Ainda mais quando pelo menos
uma parte do "exército" inimigo
já morreu no próprio ataque, pelas suas características suicidas.
De todo modo, Lovelace, também professor do Colégio de
Guerra do Exército norte-americano, supõe que a busca a
os atacantes, já anunciada pelo
presidente Bush, não se limitará
aos indivíduos.
"Será preciso identificar os grupos que prepararam e perpetraram os ataques", diz Lovelace.
Falta agora dar um rosto ao inimigo.
Leia mais sobre os atentados nos EUA na Folha Online
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