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ANÁLISE
Incompetência de Bush será cobrada, avalia historiador
Alencastro vê cumplicidade de países hostis aos EUA no atentado
"É o ato mais mortífero nos Estados Unidos desde a Secessão"
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
O historiador Luiz Felipe de
Alencastro, professor-catedrático
de história do Brasil na Universidade de Paris 4 (Sorbonne), na
França, avalia que um atentado
como o de ontem provavelmente
tem a participação de um ou mais
países hostis ao EUA.
"O ataque contra os americanos
veio pelas bagagens dos aeroportos, e não pelos mísseis da estratosfera", o que põe em xeque todo
o sistema de segurança da maior
potência militar e econômica, diz.
Autor de "O Trato dos Viventes
- Formação do Brasil no Atlântico
Sul" (Cia. das Letras), Alencastro
considera que "Bush será cobrado
pela notória incompetência dos
serviços de contra-espionagem
americanos". Leia a seguir, entrevista concedida à Folha de Paris:
Folha - Qual o paralelo entre os
atentados de ontem e o de Pearl
Harbor, em 1941?
Luiz Felipe de Alencastro - O paralelo já está sendo feito pelas TVs
do mundo inteiro: em Pearl Harbor houve 2.400 mortos; hoje [ontem", o número de vítimas pode
ser cinco vezes maior ou mais elevado. Trata-se do ato mais mortífero cometido no território continental americano desde a Guerra
da Secessão (1861-1865).
Folha - Que reação o sr. espera
dos EUA, na medida em que não há
um Estado para ser retaliado, mas,
supostamente, terroristas ligados
ao fundamentalismo islâmico?
Alencastro - Ainda é cedo para
fazer esse tipo de avaliação, mas a
preparação do atentado, com essa
série de ações coordenadas e precisas, deve ter contado com a ajuda e a cumplicidade de um país ou
de países hostis aos EUA.
Folha - O terrorismo se tornou a
maior ameaça às democracias?
Alencastro - É obvio que esse
evento marca um novo patamar
no terrorismo e uma mudança estratégica nas ações contra os EUA.
Também fica claro que o projeto
de "Guerra nas Estrelas", priorizado por Bush, tornou-se superado antes de ser sequer projetado:
o ataque aos americanos veio pelas bagagens dos aeroportos, não
pelos mísseis da estratosfera.
Folha - Que relação o sr. faz entre
a ascensão de Bush ao poder e a
tragédia de ontem?
Alencastro - Essa ação terrorista
já estava preparada há meses e talvez há anos, muito provavelmente. Mas Bush será cobrado pela
notória incompetência dos serviços de contra-espionagem americanos: como o preparo de um ato
dessa envergadura não foi detectado pela CIA e serviços anexos?
Bush também será criticado pela virada isolacionista que ele estava dando na política externa americana: agora ele terá que intervir
de verdade para apaziguar o conflito entre israelenses e palestinos.
Folha - Como explicar a vulnerabilidade da segurança americana?
Alencastro - Os especialistas ingleses explicam que os americanos não têm uma cultura de segurança pública similar a que a Inglaterra criou por causa dos ataques do IRA e a França em razão
dos ataques dos radicais islamistas argelinos.
Folha - O episódio nos EUA ocorre
num momento em que as economias centrais estão entrando num
ciclo recessivo, caso dos EUA, ou estagnadas há anos, caso do Japão. É
razoável supor agora um recrudescimento da crise mundial?
Alencastro - O aumento da tensão internacional e a exacerbação
do conflito no Oriente Médio
complicam a retomada do crescimento econômico nos EUA. É
certo também que as ações das
companhias aéreas vão cair: medidas de controle reforçadas nos
vôos aéreos domésticos e internacionais vão encarecer as viagens,
aumentar os custos de segurança
e tornar mais lenta a circulação
dos passageiros etc.
Folha - Onde o sr. estava quando
recebeu a notícia?
Alencastro - Estava no TGV
(trem-bala) que vinha da Bretanha (França), depois de um congresso de historiadores em Lorient. Vinha conversando com
um colega canadense e, logo que a
noticia se espalhou, transmitida
pelos celulares dos passageiros,
houve um começo de pânico porque esse tipo de trem já foi alvo de
terroristas islâmicos na França.
Folha - Você espera algum tipo de
retaliação às comunidades árabes
e islâmicas que moram nos EUA?
Em Detroit, onde vivem muitos árabes, havia ontem a recomendação
de não saírem às ruas.
Alencastro - Se ficar constatado
que os terroristas se beneficiaram
da cumplicidade dessas comunidades, haverá certamente problemas graves no futuro.
Folha - Quais as primeiras reações na Europa e em Paris?
Alencastro - A União Européia
(UE) é uma aliada firme dos EUA
nessas horas, e a Otan já prometeu participar da procura e da punição dos responsáveis. É possível
que a Turquia, que tem muita autoridade entre os países e movimentos islâmicos, jogue um papel
importante a partir de agora, forçando o isolamento dos grupos islâmicos radicais. A Turquia se
prepara para entrar na UE e está
cheia de boa vontade com os aliados ocidentais.
Colaborou VINICIUS PRECIOSO, da Redação
Leia mais sobre os atentados nos EUA na Folha Online
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