|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Ricupero vê atentado como ameaça à economia mundial
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento), vê no atentado de ontem um sinal de descontrole do sistema de segurança da
maior potência do planeta que se
junta a um descontrole tão ou
mais preocupante na economia e
na política mundiais.
Mesmo manifestando-se moderadamente otimista quanto à capacidade de reorganização racional dos EUA diante da tragédia,
Ricupero avalia que os atentados
terão efeitos muito negativos sobre a economia mundial, já em ciclo recessivo. A isso se somam,
disse ele, as manifestações antiglobalização que vão criando um
caldo de "insatisfação de causas
distintas" pelo mundo.
Ex-ministro da fazenda do governo Itamar Franco e embaixador do Brasil em Washington entre 1991 e 1993, Ricupero falou à
Folha por telefone, de Genebra:
Folha - Sob o impacto da tragédia, qual sua primeira avaliação do
que aconteceu?
Rubens Ricupero - Mesmo sem
saber ao certo o que está por trás
desses atentados, é um sinal muito grave de perda de controle. É
uma perda em termos de segurança, pois revela que, mesmo
com uma tecnologia sofisticada,
você não consegue ter uma segurança perfeita. É curioso que os
EUA, que estão lançando esse plano de mísseis contra mísseis, a
"guerra nas estrelas", tenham sofrido um ataque devastador provavelmente não de um Estado,
mas de um grupo de terroristas.
Ataque esse que não partiu de
mísseis, mas de uma arma com
uma tecnologia muito menos
avançada -aviões sequestrados.
O que ocorreu contrasta com a
guerra do Kosovo. Lá, os americanos não tiveram baixa militar.
Desta vez, em questão de horas,
tiveram milhares de baixas.
Folha - Embora o risco de guerras
entre Estados exista ainda hoje, no
pós-Guerra Fria, ele parece bem
menor do que essa ameaça difusa
que representa o terrorismo.
Ricupero - Exatamente. Acho
que esse talvez seja o episódio
mais dramático de toda a história
dos últimos 30 anos, que mudou a
natureza das ameaças à segurança. Presumivelmente, nesse episódio não há envolvimento de Estados. Se houver, será numa posição marginal. Mesmo o país mais
poderoso do mundo está vulnerável. Já estive no Pentágono; é muito difícil entrar no prédio, mesmo
para os embaixadores. São portões imensos de aço, vigiados por
uma segurança muito sofisticada.
Folha - O sr. se referiu à vulnerabilidade do sistema de segurança
norte-americano. Como esse episódio se relaciona ao descontrole
econômico do mundo atual?
Ricupero - Também temos uma
perda de controle na economia.
No momento atual, temos uma
crise econômica nas três maiores
economias industrializadas do
planeta: EUA, Europa e Japão.
Uma crise sincronizada, que os
países procuraram evitar e não
conseguiram. Além disso, se esse
episódio de ontem tem relação
com o Oriente Médio, o que é provável, é mais um sinal da perda de
controle político. Até alguns meses atrás, havia um processo de
paz em marcha na região. Hoje,
não há mais nada. O sistema internacional todo, sejam os europeus, sejam os EUA, seja a ONU,
não conseguiu encaminhar uma
solução negociada para o conflito.
Portanto, são três episódios: um
no domínio da segurança, outro
no da economia e o terceiro no
político. Neles, dá para ver como
há uma perigosa perda de controle, apesar de todos os progressos
tecnológicos, do poderio econômico, da euforia de anos atrás. Há
ainda essas manifestações antiglobalização, também um sintoma de inquietação preocupante.
Folha - Um mal-estar difuso, sem
alvo ou causas definidas.
Ricupero - Um mal-estar de causas distintas que revelam como
mudou o mundo em relação
àquele triunfalismo da globalização, logo depois da queda do Muro de Berlim. É só lembrar o Fukuyama [Francis Fukuyama,
cientista político e funcionário do
Departamento de Estado dos
EUA, que publicou em 1989 seu
ensaio mais famoso, convertido
em livro em 1992", com "O Fim da
História". Parece irônico que um
ensaísta americano que era até ligado ao governo tivesse escrito
naqueles anos que a história havia
acabado. Hoje, você vê o episódio
mais grave de paralisia do poder
americano em toda a sua história.
A história, até aqui, acabou mal.
Folha - Como comparar o que
ocorreu ontem ao ataque de Pearl
Harbor, em 1941?
Ricupero - Acho de certa forma
mais grave, porque o ataque a
Pearl Harbor ocorreu numa ilha
distante. Hoje, isso está acontecendo no coração dos EUA.
Folha - Simultaneamente no coração financeiro e no coração da
defesa norte-americana.
Ricupero - Simbolicamente é
uma coisa muito grave.
Folha - O sr. se referiu à falência
ou à interrupção do processo de negociação no Oriente Médio. O governo Bill Clinton investiu nisso.
Como o sr. avalia, à luz do que
aconteceu ontem, o início do governo Bush? Há relação entre os
atentados e o boicote dos EUA à
conferência sobre o racismo?
Ricupero - Não vejo uma relação
direta com a posição diante da
conferência. Era compreensível,
como o governo anterior se engajou muito numa solução negociada e não conseguiu um resultado
satisfatório, que o governo seguinte quisesse se distanciar de
uma linha que não deu certo.
Acho que, infelizmente, o problema no Oriente Médio, sobretudo na relação entre Israel e Palestina, se degenerou de tal forma
que ninguém conseguiu, até este
momento, fazer voltar os contendores à mesa de negociação.
Também não poderia haver
uma relação com a conferência do
racismo, pois uma operação como essa [de ontem" foi obviamente tramada com muita antecedência. Isso tem raízes profundas, que devem remontar a ressentimentos mais antigos.
Folha - Diante desse quadro, o sr.
avalia que tipo de retaliação por
parte dos EUA? O que o sr. gostaria
que acontecesse e o que o sr. acredita que possa acontecer?
Ricupero - Na verdade, acho que
o que vai acontecer é mais o menos o que acho que deve acontecer. Os americanos, nessa matéria, tem uma reação que não é
emocional como a de outros países. Passado o primeiro choque e
essa desarticulação inicial, eles
vão retomar o controle. Vão começar fazendo uma grande investigação sobre quem está por trás
disso e apertar muitos dispositivos de segurança que devem ter
tido algumas e graves falhas.
Não acredito que reajam de
uma forma precipitada. Ouvi o
Bush falando. Ele está muito calmo e, ao mesmo tempo, firme.
Folha - O sr. descarta uma retaliação militar imediata?
Ricupero - Descarto. Eles não saberiam nem contra quem fazê-la.
O que é próprio desse tipo de terrorismo recente é que ninguém o
assume. Quem assume, em geral,
são esses simulacros de heróis que
querem aparecer nos jornais, que
telefonam. Quem faz um negócio
desses não é maluco de dizer.
Folha - A ONU é impotente diante
de episódios assim, não?
Ricupero - A ONU não tem poder militar nem serve para isso.
Nunca teve função de combate ao
terrorismo; só manda força para
países onde houve acordo. Esse
assunto escapa da esfera da ONU.
Agora, a ONU está evacuada. Ela
só tem a força que os Estados
queiram lhe dar, e nunca houve
proposta nesse sentido.
Agora, uma coisa que eu gostaria de dizer é que acho importante
que se tente prevenir o efeito psicológico que isso possa ter. De um
ponto de vista do ânimo americano, isso os fortalecerá, porque todo país como os EUA e a Inglaterra, uma vez debaixo de ataque,
tende a se unir e a reagir.
Eu tenho medo de que, num
ambiente depressivo mundial,
com perda de esperança no
Oriente Médio e crise econômica,
isso possa ter um efeito psicológico negativo nas expectativas em
relação ao próprio ambiente econômico. Vai depender muito da
capacidade de liderança de Bush.
Leia mais sobre os atentados nos EUA na Folha Online
Texto Anterior: Incompetência de Bush será cobrada, avalia historiador Próximo Texto: Mundo deve esperar revide, diz especialista Índice
|