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PALESTINA ÓRFÃ
ENTREVISTA
Tariq Ramadan, professor de estudos islâmicos, defende colegiado em lugar de outro líder carismático
Arafat cometeu erros políticos, diz filósofo
FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS
Para o filósofo Tariq Ramadan,
42, suíço de origem egípcia, residente em Genebra e professor de
estudos islâmicos na Universidade de Friburgo, Iasser Arafat deve
ser lembrado como um líder fiel à
seu povo, mas criticado por opções adotadas ao longo de seu
combate pela causa palestina.
O polêmico pensador, já alcunhado de "predicador muçulmano", "neofundamentalista moderno" ou "ideólogo do comunitarismo", autodefinido apenas
como um "muçulmano europeu", defende a instauração de
uma autoridade colegiada na Palestina e um papel maior da Europa na questão do Oriente Médio.
Em entrevista à Folha, por telefone, de Barcelona, onde participava de um encontro da ONU sobre anti-semitismo, islamofobia e
cristianofobia, Tariq Ramadan
disse não prever alterações imediatas com a morte de Arafat, e
defendeu uma mobilização cidadã mundial pela paz no conflito
israelo-palestino.
Folha - Qual sua opinião sobre o
homem e o personagem político
Iasser Arafat?
Tariq Ramadan - Em primeiro
lugar, era um símbolo, alguém
que não se pode deixar de não reconhecer o que representou num
resistente combate de décadas
por seu país, sempre vivendo em
condições modestas.
Deve-se guardar essa imagem
de um homem que foi bastante
fiel à seu povo e que pagou um
preço por isso. Mas não se pode,
igualmente, deixar de levar em
conta elementos problemáticos.
O primeiro concerne a administração dos negócios e das finanças. Havia muito clientelismo e
utilização de dinheiro de uma forma que não correspondia ao que
se espera de um Estado organizado ou de um líder de finanças.
O segundo está relacionado ao
mandato de poder, ao exercício
de autoridade discricionária, de
aspectos democráticos nem sempre respeitados. A terceira coisa
refere-se à execução de escolhas
políticas, que no plano da história
se revelaram equivocadas. Às vezes, tinha-se a impressão de que
ele seguia agendas mais pessoais.
Folha - Quais foram seus erros políticos?
Ramadan - Pode-se entender a
entrada nos acordos de Olso. Mas
os termos do acordo, desde o início, colocavam em perigo todo
um processo. Era preferível resistir às primeiras condições e ganhar tempo do que se engajar em
condições que levariam a impasses, o que acabou acontecendo.
Eu havia lido o texto do acordo e
minha posição foi bastante reservada. Não estava confiante. Conversei com pessoas que haviam
participado das primeiras discussões, Edward Said inclusive, e ninguém aprovava a forma como Iasser Arafat havia conduzido as negociações. Os acordos de Olso datam de 1991, e três anos depois,
quando não havia quase mais esperanças para os palestinos, começam os primeiros atentados
suicidas, em 1994.
Ainda assim, faço a distinção.
Estamos no momento da morte
de um homem que casou sua vida
à uma causa. Devemos reconhecer isso, mas também não podemos negar as críticas. Estamos
num período de transição, e o que
virá na seqüência é fundamental.
Folha - Como o senhor analisa a
transferência de poder?
Ramadan - Minha resposta é
que, sobretudo, não se deve ter no
lugar outro líder carismático. Precisa-se de uma autoridade colegiada. Não de uma figura, mas de
atores, de uma plataforma colegiada que amplie a representação
no plano político dos componentes da sociedade palestina.
Precisa-se de um governo que
esteja em contato com seu povo,
que seja representativo, e que encaminhe proposições concretas.
Hoje, se pergunta se as coisas vão
piorar. Mas já é tão pior em relação à tudo que se podia imaginar,
que dificilmente poderá piorar.
Desse ponto de vista, ao mesmo
tempo em que se pode criticar aspectos da posição de Arafat, pode-se igualmente dizer que ele foi
levado ao isolamento. Os estados
árabes renunciaram, assim como
a comunidade internacional. Por
isso que se precisa de uma autoridade colegiada no sentido amplo
das tendências da sociedade palestina. Hoje, não há mais pretexto para os EUA e israelenses não
se engajarem em algo que seja
uma fundamental revisão dos termos da paz no Oriente Médio.
Folha - O que vai mudar agora?
Ramadan - Não vai mudar nada
de imediato. Os países árabes que
renunciaram não vão mudar radicalmente. Não se pode prever
nada de novo no horizonte. O que
é preciso é que uma nova voz alternativa se faça ouvir. O silêncio
europeu torna a situação catastrófica. Bush fez uma declaração dizendo que é favorável à um Estado palestino, mas isso ele já havia
dito. É preciso uma nova atitude
da Europa em relação ao unilateralismo americano.
Folha - Qual a solução para o conflito no Oriente Médio?
Ramadan - É preciso uma mobilização multidimensional. Uma
via política alternativa à do apoio
incondicional dos EUA. É preciso
mobilização dos cidadãos. O conflito israelo-palestino é mundial.
É preciso que os cidadãos do
mundo se mobilizem, e que se ouça a voz de um povo oprimido.
Isso vem dos cidadãos, e não só
dos Estados. Se quisermos uma
política alternativa palestina, que
seja uma resistência forte e não-violenta, é preciso que falemos.
Nosso silêncio produz a violência dos outros. No Iraque, gritava-se "parem com a guerra", e só.
Mas, além da guerra, o que se faz
hoje? Pouco. É hoje que o povo
iraquiano precisa de manifestações em todas as ruas do mundo.
Folha - O sr. acredita que o islamismo radical vai ganhar força?
Ramadan - Sim. Os radicais têm
cada vez mais elementos para dizer "olhem a posição dos EUA, o
silêncio da Europa". Temos de
denunciar o radicalismo, e também a causa de nossas renúncias.
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