|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Para Habermas, só a cooperação no "núcleo da Europa'" desafiaria a política imperial dos EUA
Intelectuais buscam sentido da unificação
NICOLAS WEILL
DO "LE MONDE"
Quer sejam contra ou a favor da
ampliação da União Européia, os
intelectuais vêm tomando conta
da discussão sobre a Europa. Debates, seminários e colóquios sobre o projeto de Constituição representam diversas ocasiões de
buscar um sentido numa construção atrapalhada pelo peso administrativo de Bruxelas e o lugar
central ocupado pelo mercado.
Na década de 90, as vozes neo-republicanas ou soberanistas se
sobrepuseram, na França, às interrogações sobre o futuro da Europa, deixando a iniciativa a cargo
de outros nomes e cenários.
Assim, foi simbólico o fato de
ter sido em Paris, no último dia
28, que Jürgen Habermas explicitou sua visão sobre o futuro da
Europa. A contribuição de Habermas completa o apelo ao "renascimento da Europa" lançado no
"Frankfurter Allgemeine Zeitung" e assinado pelo intelectual
alemão em conjunto com Jacques
Derrida. Ao mesmo tempo em
que criticaram a política americana no Iraque, os dois filósofos lançaram um apelo por uma política
externa européia comum. A Europa, destacaram, precisa aproveitar a experiência de declínio de
seus impérios coloniais para
aprender a enxergar a ela mesma
"desde a perspectiva dos derrotados, no papel duvidoso dos vencedores aos quais se atribui a responsabilidade pela violência ligada a uma modernização imposta
e destituída de raízes".
Voltando, desta vez em Paris, ao
tema da "União Européia em face
de seus desafios, a curto e a médio
prazos", Habermas acha que a
chamada "hipótese funcionalista"
-segundo a qual a instalação de
um espaço de restrições econômica e orçamentária basta para difundir a idéia européia em todos
os campos da vida social, sem que
seja preciso preocupar-se com "a
finalidade do processo de unificação"- já produziu efeitos.
Segundo ele, o silêncio que cerca a questão da finalidade esconde uma ausência total de consenso. Essa dissensão opõe os partidários de uma chamada "visão
neoliberal" que limita a soberania
do Estado ao papel de "guarda
noturno", no qual não se pode
imaginar como ela poderia encorajar um reforço da ação política
coletiva européia, àqueles que defendem a "visão neo-schmittiana" (do nome do filósofo político
Carl Schmitt, que era comprometido com o regime nazista). Essa
última abordagem divide o planeta em zonas de influência e hegemonias, apenas estendendo ao
mundo o modelo da Europa das
nações do passado.
Ironicamente, Habermas quer
admitir que esse sistema seja
adaptado a "uma Europa unida
com base na ambição de impor-se
como potência". Mas ele prefere
uma solução terceira que batizou
de "solução kantiana". Esse conceito "cosmopolita" busca suscitar "um movimento de reforma
da ONU" que possa "permitir a
ela promover uma política não seletiva de instauração dos direitos
humanos".
O filósofo conclui que, para promover o multilateralismo capaz
de opor-se à política imperial dos
EUA, a única proposta realista é a
de uma cooperação mais estreita
entre "os povos e os Estados do
núcleo da Europa".
Com isso, Habermas alude a um
reforço dos laços entre Alemanha
e França, correndo o risco de cair
num esquema "hegemônico".
Essas projeções se chocam contra o desnível entre as ambições
que certos intelectuais enxergam
no continente unificado e as instituições, cujas engrenagens obedecem ao princípio "funcionalista"
declarado obsoleto.
Apesar do pouco êxito das reuniões públicas dedicadas à questão da ampliação, bem menos
concorridas do que as que tratam
das aposentadorias, por exemplo,
os partidos políticos também vêm
tentando animar o debate.
"A questão do custo é a mais
importante?", indignou-se Jacques Rupnik, especialista em Leste Europeu no Centro de Estudos
e Pesquisas Internacionais. Para
ele, esse "argumento contábil" é
responsável pelo fato de o retorno
à democracia operado em 1989
não ter, aos olhos das populações
libertadas do chamado realismo
social, coincidido com o retorno à
Europa. Se existe alguma coisa a
contabilizar, diz Rupnik, deve ser
o custo de uma Europa desunida.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Europa: Impasse ameaça a Constituição européia Próximo Texto: Polônia nega intenção de "bloquear a Europa" Índice
|