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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Para Habermas, só a cooperação no "núcleo da Europa'" desafiaria a política imperial dos EUA

Intelectuais buscam sentido da unificação

NICOLAS WEILL
DO "LE MONDE"

Quer sejam contra ou a favor da ampliação da União Européia, os intelectuais vêm tomando conta da discussão sobre a Europa. Debates, seminários e colóquios sobre o projeto de Constituição representam diversas ocasiões de buscar um sentido numa construção atrapalhada pelo peso administrativo de Bruxelas e o lugar central ocupado pelo mercado.
Na década de 90, as vozes neo-republicanas ou soberanistas se sobrepuseram, na França, às interrogações sobre o futuro da Europa, deixando a iniciativa a cargo de outros nomes e cenários.
Assim, foi simbólico o fato de ter sido em Paris, no último dia 28, que Jürgen Habermas explicitou sua visão sobre o futuro da Europa. A contribuição de Habermas completa o apelo ao "renascimento da Europa" lançado no "Frankfurter Allgemeine Zeitung" e assinado pelo intelectual alemão em conjunto com Jacques Derrida. Ao mesmo tempo em que criticaram a política americana no Iraque, os dois filósofos lançaram um apelo por uma política externa européia comum. A Europa, destacaram, precisa aproveitar a experiência de declínio de seus impérios coloniais para aprender a enxergar a ela mesma "desde a perspectiva dos derrotados, no papel duvidoso dos vencedores aos quais se atribui a responsabilidade pela violência ligada a uma modernização imposta e destituída de raízes".
Voltando, desta vez em Paris, ao tema da "União Européia em face de seus desafios, a curto e a médio prazos", Habermas acha que a chamada "hipótese funcionalista" -segundo a qual a instalação de um espaço de restrições econômica e orçamentária basta para difundir a idéia européia em todos os campos da vida social, sem que seja preciso preocupar-se com "a finalidade do processo de unificação"- já produziu efeitos.
Segundo ele, o silêncio que cerca a questão da finalidade esconde uma ausência total de consenso. Essa dissensão opõe os partidários de uma chamada "visão neoliberal" que limita a soberania do Estado ao papel de "guarda noturno", no qual não se pode imaginar como ela poderia encorajar um reforço da ação política coletiva européia, àqueles que defendem a "visão neo-schmittiana" (do nome do filósofo político Carl Schmitt, que era comprometido com o regime nazista). Essa última abordagem divide o planeta em zonas de influência e hegemonias, apenas estendendo ao mundo o modelo da Europa das nações do passado.
Ironicamente, Habermas quer admitir que esse sistema seja adaptado a "uma Europa unida com base na ambição de impor-se como potência". Mas ele prefere uma solução terceira que batizou de "solução kantiana". Esse conceito "cosmopolita" busca suscitar "um movimento de reforma da ONU" que possa "permitir a ela promover uma política não seletiva de instauração dos direitos humanos".
O filósofo conclui que, para promover o multilateralismo capaz de opor-se à política imperial dos EUA, a única proposta realista é a de uma cooperação mais estreita entre "os povos e os Estados do núcleo da Europa".
Com isso, Habermas alude a um reforço dos laços entre Alemanha e França, correndo o risco de cair num esquema "hegemônico".
Essas projeções se chocam contra o desnível entre as ambições que certos intelectuais enxergam no continente unificado e as instituições, cujas engrenagens obedecem ao princípio "funcionalista" declarado obsoleto.
Apesar do pouco êxito das reuniões públicas dedicadas à questão da ampliação, bem menos concorridas do que as que tratam das aposentadorias, por exemplo, os partidos políticos também vêm tentando animar o debate.
"A questão do custo é a mais importante?", indignou-se Jacques Rupnik, especialista em Leste Europeu no Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais. Para ele, esse "argumento contábil" é responsável pelo fato de o retorno à democracia operado em 1989 não ter, aos olhos das populações libertadas do chamado realismo social, coincidido com o retorno à Europa. Se existe alguma coisa a contabilizar, diz Rupnik, deve ser o custo de uma Europa desunida.


Tradução de Clara Allain


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