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Divisão na esquerda latina se radicalizou, afirma Castañeda
Autor crê que EUA pós-Bush não mudarão sua relação desinteressada com o sul e aproximação de Calderón com esquerda é retórica
Historiador mexicano se vê como visionário por seu artigo em 2006 que polarizou nova onda na região em "má" e "boa"
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em maio de 2006, o economista e historiador mexicano
Jorge Castañeda, 54, causou
uma controvérsia internacional ao declarar, num artigo para a "Foreign Affairs" ("Latin
America's Left Turn"), que a esquerda na América Latina estava dividida em duas.
Uma, que considerava "má",
era representada pelo autoritarismo e por uma visão passadista do socialismo. Nela se enquadravam Venezuela, Equador e Argentina. A outra, tida
como "boa", identificava-se
com a democracia e tinha uma
posição moderna com relação
ao funcionamento das instituições e às preocupações sociais.
Aí estariam o Brasil de Lula e o
Chile de Michelle Bachelet.
Hoje, olhando para essa análise, Castañeda se considera um
visionário. "Tudo o que eu dizia
se confirmou. O continente
continua dividido e polarizado
exatamente desse modo."
Castañeda é autor de uma
biografia de Che Guevara ("A
Vida em Vermelho") e de uma
análise da esquerda na América
Latina ("A Utopia Desarmada"). Esquerdista no princípio
da carreira, foi adotando uma
posição mais à direita com o
tempo, chegando a ser chanceler do governo Vicente Fox.
Também foi candidato a presidente em 2004, mas hoje diz
que não pensa mais em disputar o cargo. Leia, abaixo, trechos da entrevista que Castañeda deu à Folha, por telefone.
FOLHA - O que achou do modo como se deu a soltura das reféns colombianas pelas Farc?
JORGE CASTAÑEDA - A liberação
mostra duas coisas: primeiro,
que Chávez, sozinho ou com
aliados, tem ascendência real
sobre as Farc. Pôde convencê-las a reparar o dano causado pelo fiasco do episódio com o menino Emmanuel. Em segundo
lugar, que a opinião pública venezuelana e internacional já
não engole tão facilmente esse
tipo de manobra. A pergunta
não é como Chávez marcou o
gol, mas quem lhe deu o passe.
FOLHA - O que o sr. acha que vai
mudar na América Latina caso um
democrata chegue à Casa Branca?
CASTAÑEDA - Não acredito que a
eleição de um democrata possa
mudar o modo como o governo
norte-americano vem tratando
a América Latina. Pelo menos
no que diz respeito à política.
Por outro lado, simbolicamente, para nós, seria muito significativa a vitória de Barack Obama. Mais do que a de Hillary
Clinton. Hoje, não só na América Latina, a raça ainda é mais
tabu do que o sexo. Um negro
no poder, ainda mais nos EUA,
torna o quadro geopolítico internacional mais complexo.
FOLHA - Presidentes como Hugo
Chávez ou Evo Morales, que se
apóiam num discurso anti-americano, terão de rever suas posições?
CASTAÑEDA - Sim, em termos de
retórica, eles terão de mudar de
argumentos. Mas não creio que
deixem a posição anti-americana. E para reafirmá-la ainda haverá muitos elementos, como a
Guerra do Iraque e outras intervenções contestáveis, que
não devem sumir de imediato.
FOLHA - Em artigo em 2006, o sr.
dividiu a esquerda latino-americana
em duas categorias, uma "boa" e
outra "má". Algo mudou?
CASTAÑEDA - Não, pelo contrário. Esse retrato apenas se confirmou. Chávez tem radicalizado seu discurso, e leva com ele
países como Bolívia e Equador.
É um clássico caudilho. Um Péron com petróleo.
Porém, foi muito importante
o fato de ele ter perdido o referendo [em 2 de dezembro, o venezuelano não conseguiu aprovar uma reforma constitucional que aumentaria seus poderes e aprovaria sua reeleição indefinida]. O racha dos chavistas
nos faz pensar se seria possível
um chavismo sem Chávez.
Quanto aos outros, eles têm
se sentido à vontade para reafirmar seu discurso populista,
autoritário e antiquado.
FOLHA - O sr. enquadrava o então
presidente argentino Néstor Kirchner na esquerda "má". Com Cristina
no poder isso muda?
CASTAÑEDA - De maneira nenhuma. Cristina não dá indícios de que será menos radical
do que o marido com relação à
retórica antiimperialista. E sua
aproximação com Chávez está
muito clara. Creio até mesmo
que seu governo pode ser pior,
no sentido de mais despótico.
FOLHA - O presidente [mexicano]
Felipe Calderón se aproximou da esquerda. O sr. acha isso positivo?
CASTAÑEDA - O acercamento de
Calderón aos esquerdistas é
pura retórica para que fique
bem diplomaticamente com os
governos de esquerda do resto
do continente. Internamente,
porém, ele não tem tomado
medidas de esquerda. Mas
creio que seu governo tem qualidades, ao dar continuidade
aos de Ernesto Zedillo e Fox.
Assim como no Brasil, o elogio
a Calderón é o de ter mantido
uma linha coerente em relação
aos que o precederam.
FOLHA - Lula dá continuidade a
Fernando Henrique Cardoso?
CASTAÑEDA - Seguramente, esse
é o seu mérito. Historicamente,
esta época será lembrada como
um grande período de continuidade no que diz respeito ao
aspecto econômico e, sobretudo, de redução dos índices de
pobreza da população do Brasil.
FOLHA - Em entrevista à Folha, o
britânico Eric Hobsbawm disse que a
América Latina segue sendo "desimportante" na geopolítica internacional. O sr. concorda?
CASTAÑEDA - Ele tem razão sobre o aspecto político. A América Latina realmente nunca foi
forte ou influente no sentido de
participar de decisões internacionais. Por outro lado, teve, e
ainda tem, um papel importantíssimo na construção de mitos
e símbolos que têm importância e repercussões planetárias.
Basta o exemplo de Cuba. Fidel atravessa décadas como um
ícone cujo significado é o mesmo desde a Revolução: uma referência para partidos de esquerda. Também o Brasil pode
ser enquadrado aí. O presidente do Brasil será sempre uma figura importante para o mundo,
pelo que o país representa. Por
seu potencial, sua variedade e
riqueza, e também por seus
dramas sociais.
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