São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Divisão na esquerda latina se radicalizou, afirma Castañeda

Autor crê que EUA pós-Bush não mudarão sua relação desinteressada com o sul e aproximação de Calderón com esquerda é retórica

Historiador mexicano se vê como visionário por seu artigo em 2006 que polarizou nova onda na região em "má" e "boa"

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em maio de 2006, o economista e historiador mexicano Jorge Castañeda, 54, causou uma controvérsia internacional ao declarar, num artigo para a "Foreign Affairs" ("Latin America's Left Turn"), que a esquerda na América Latina estava dividida em duas.
Uma, que considerava "má", era representada pelo autoritarismo e por uma visão passadista do socialismo. Nela se enquadravam Venezuela, Equador e Argentina. A outra, tida como "boa", identificava-se com a democracia e tinha uma posição moderna com relação ao funcionamento das instituições e às preocupações sociais.
Aí estariam o Brasil de Lula e o Chile de Michelle Bachelet.
Hoje, olhando para essa análise, Castañeda se considera um visionário. "Tudo o que eu dizia se confirmou. O continente continua dividido e polarizado exatamente desse modo."
Castañeda é autor de uma biografia de Che Guevara ("A Vida em Vermelho") e de uma análise da esquerda na América Latina ("A Utopia Desarmada"). Esquerdista no princípio da carreira, foi adotando uma posição mais à direita com o tempo, chegando a ser chanceler do governo Vicente Fox.
Também foi candidato a presidente em 2004, mas hoje diz que não pensa mais em disputar o cargo. Leia, abaixo, trechos da entrevista que Castañeda deu à Folha, por telefone.

 

FOLHA - O que achou do modo como se deu a soltura das reféns colombianas pelas Farc?
JORGE CASTAÑEDA
- A liberação mostra duas coisas: primeiro, que Chávez, sozinho ou com aliados, tem ascendência real sobre as Farc. Pôde convencê-las a reparar o dano causado pelo fiasco do episódio com o menino Emmanuel. Em segundo lugar, que a opinião pública venezuelana e internacional já não engole tão facilmente esse tipo de manobra. A pergunta não é como Chávez marcou o gol, mas quem lhe deu o passe.

FOLHA - O que o sr. acha que vai mudar na América Latina caso um democrata chegue à Casa Branca?
CASTAÑEDA
- Não acredito que a eleição de um democrata possa mudar o modo como o governo norte-americano vem tratando a América Latina. Pelo menos no que diz respeito à política. Por outro lado, simbolicamente, para nós, seria muito significativa a vitória de Barack Obama. Mais do que a de Hillary Clinton. Hoje, não só na América Latina, a raça ainda é mais tabu do que o sexo. Um negro no poder, ainda mais nos EUA, torna o quadro geopolítico internacional mais complexo.

FOLHA - Presidentes como Hugo Chávez ou Evo Morales, que se apóiam num discurso anti-americano, terão de rever suas posições?
CASTAÑEDA
- Sim, em termos de retórica, eles terão de mudar de argumentos. Mas não creio que deixem a posição anti-americana. E para reafirmá-la ainda haverá muitos elementos, como a Guerra do Iraque e outras intervenções contestáveis, que não devem sumir de imediato.

FOLHA - Em artigo em 2006, o sr. dividiu a esquerda latino-americana em duas categorias, uma "boa" e outra "má". Algo mudou?
CASTAÑEDA
- Não, pelo contrário. Esse retrato apenas se confirmou. Chávez tem radicalizado seu discurso, e leva com ele países como Bolívia e Equador. É um clássico caudilho. Um Péron com petróleo. Porém, foi muito importante o fato de ele ter perdido o referendo [em 2 de dezembro, o venezuelano não conseguiu aprovar uma reforma constitucional que aumentaria seus poderes e aprovaria sua reeleição indefinida]. O racha dos chavistas nos faz pensar se seria possível um chavismo sem Chávez. Quanto aos outros, eles têm se sentido à vontade para reafirmar seu discurso populista, autoritário e antiquado.

FOLHA - O sr. enquadrava o então presidente argentino Néstor Kirchner na esquerda "má". Com Cristina no poder isso muda?
CASTAÑEDA
- De maneira nenhuma. Cristina não dá indícios de que será menos radical do que o marido com relação à retórica antiimperialista. E sua aproximação com Chávez está muito clara. Creio até mesmo que seu governo pode ser pior, no sentido de mais despótico.

FOLHA - O presidente [mexicano] Felipe Calderón se aproximou da esquerda. O sr. acha isso positivo?
CASTAÑEDA
- O acercamento de Calderón aos esquerdistas é pura retórica para que fique bem diplomaticamente com os governos de esquerda do resto do continente. Internamente, porém, ele não tem tomado medidas de esquerda. Mas creio que seu governo tem qualidades, ao dar continuidade aos de Ernesto Zedillo e Fox. Assim como no Brasil, o elogio a Calderón é o de ter mantido uma linha coerente em relação aos que o precederam.

FOLHA - Lula dá continuidade a Fernando Henrique Cardoso?
CASTAÑEDA
- Seguramente, esse é o seu mérito. Historicamente, esta época será lembrada como um grande período de continuidade no que diz respeito ao aspecto econômico e, sobretudo, de redução dos índices de pobreza da população do Brasil.

FOLHA - Em entrevista à Folha, o britânico Eric Hobsbawm disse que a América Latina segue sendo "desimportante" na geopolítica internacional. O sr. concorda?
CASTAÑEDA
- Ele tem razão sobre o aspecto político. A América Latina realmente nunca foi forte ou influente no sentido de participar de decisões internacionais. Por outro lado, teve, e ainda tem, um papel importantíssimo na construção de mitos e símbolos que têm importância e repercussões planetárias.
Basta o exemplo de Cuba. Fidel atravessa décadas como um ícone cujo significado é o mesmo desde a Revolução: uma referência para partidos de esquerda. Também o Brasil pode ser enquadrado aí. O presidente do Brasil será sempre uma figura importante para o mundo, pelo que o país representa. Por seu potencial, sua variedade e riqueza, e também por seus dramas sociais.


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