São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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ENTREVISTA
Líder de extrema direita nega vínculo com nazismo e diz ser temido por romper com establishment europeu
Haider quer imigração zero à Áustria

Associated Press
O líder do Partido da Liberdade, Joerg Haider, na Província austríaca de Caríntia, que ele governa


JULIO ALGAÑARAZ
do "Clarín"

"Sou mais popular do que nunca", diz Joerg Haider, dando um sorriso simpático, como se tudo não passasse de brincadeira. "Se houvesse eleições na Áustria amanhã, nosso partido se tornaria o primeiro do país. Isso não se discute, porque o teatro todo e a atitude lamentável adotada pela Europa só fizeram aumentar minha popularidade."
São 2h da tarde na sede do governo da Província da Caríntia, no centro da capital provincial, Klagenfurt, e o "Clarín" está conversando com o governador caríntio Joerg Haider, líder do Partido da Liberdade, de extrema direita, acusado de neonazismo e visto como o inimigo público número um da Europa porque os populistas, que dirige, ocupam metade dos ministérios do novo governo austríaco.
Em março do ano passado, Haider foi eleito governador da Caríntia com mais de 40% dos votos. As sondagens indicam que, se a eleição fosse hoje, ele a venceria por maioria absoluta.
No gabinete de Haider, sobre a grande mesa de trabalho há um enorme urso marrom claro de pelúcia, ao lado de uma cesta cheia de garrafas de vinho fino. Leia a seguir a sua entrevista:

Pergunta - O senhor se tornou o político mais famoso e comentado da Europa. Isso lhe agrada?
Haider -
Divirto-me muito quando vejo como o presidente de um partido que tem apenas 27% dos votos de um país pequeno como a Áustria pode meter tanto medo nos políticos europeus.

Pergunta - E por que o senhor acha que mete tanto medo e detona tantas polêmicas?
Haider -
Não pertenço ao establishment político. Sou o produto de uma situação muito específica, como é a da Áustria. Desde o fim da guerra os socialistas e conservadores dividiram o poder em nosso país. Criou-se um imobilismo político praticamente absoluto. Decidiam nosso destino, o destino dos cidadãos. Para conseguir emprego, ajuda ou qualquer coisa é preciso ter a carteirinha vermelha (social-democrata) ou preta (dos conservadores cristãos). Essa vem sendo uma situação muito específica da Áustria. É isso que viemos combater.

Pergunta - Mas estamos falando da Europa, onde a reação à entrada de seu partido no governo tem sido forte.
Haider -
Na Europa também existe um sistema bipartidário dominante, formado por socialistas e conservadores. Os políticos europeus temem que a novidade que representamos provoque a implosão do establishment e imponha um novo movimento político. Acredito, porém, que as transformações são inevitáveis e vão se impor na Europa.

Pergunta - Mas existe um fato concreto: o medo do senhor. O medo que as pessoas sentem do senhor, que a Europa sente.
Haider -
Acho que quem tem medo são os políticos, que estão fazendo uma Europa sem a participação dos cidadãos. Sou a favor de uma Europa dos cidadãos; eles são a favor de uma Europa dos burocratas. Sou a favor de uma Europa das pátrias, como queriam Konrad Adenauer e De Gaulle. Não entendo uma Europa em que as pessoas não tenham como se expressar e onde não existe sensibilidade com relação às diferenças de identidade entre os povos que a integram.

Pergunta - O senhor não se considera um perigo, mas no passado elogiou a política de emprego de Hitler e os veteranos das SS (tropas de elite) nazistas.
Haider -
Cometi alguns erros no passado, erros pelos quais já pedi perdão. Nem eu, nem meu partido temos nada a ver com o nacional-socialismo hitlerista.

Pergunta - O senhor falou a um jornal israelense que o Holocausto foi o pior crime contra a humanidade. Apesar disso, os judeus o temem. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Haider -
Seria preciso perguntar a eles. Não existe razão nenhuma para terem medo. Não entendo isso. Surpreende-me que eles (os judeus) nunca tenham entrado em contato comigo. Democracia significa diálogo, e aquele que teme o diálogo comete erros. Nem o governo, nem a Embaixada de Israel em Viena tentaram ter uma conversa comigo. Aquele que é incapaz de ter um diálogo tampouco é capaz de ser democrata.

Pergunta - Seu partido fez uma campanha xenófoba. Nas últimas eleições o líder de seu partido em Viena usava contra os imigrantes o termo "infiltração estrangeira", de conotação nazista. O senhor sabe que agora os estrangeiros que vivem na Áustria estão com medo do senhor e de seu partido?
Haider -
Falamos o que pensávamos sobre o tema da imigração, enquanto os outros países não têm coragem de fazê-lo porque sua política com relação aos estrangeiros é ainda mais dura do que a nossa. Basta ver as medidas tomadas pelo ministro socialista alemão Otto Schily, que quer eliminar os direitos individuais de asilo. Pode-se imaginar o que aconteceria na Áustria se Joerg Haider dissesse algo assim.

Pergunta - O senhor e os ministros de seu partido no novo governo vão impor uma política de imigração zero?
Haider -
Sim, porque agora a prioridade é integrar os estrangeiros que já vivem na Áustria. Para 7 milhões de austríacos, há 1 milhão de estrangeiros. Existe uma histeria total em relação a esse assunto. Não podemos deixar que uma quantidade descontrolada de estrangeiros entre neste país pequeno. Por isso queremos impor uma política de imigração restritiva.

Pergunta - Mudando de assunto, quais são suas ambições agora?
Haider -
Estou muito satisfeito. Sempre pensei que minha missão política era construir um partido que não pudesse ser ignorado e o consegui. Queremos reformar o sistema político, reduzir a concentração de poder e fazer com que a democracia seja normal na Áustria. Temos seis ministros no governo central, a metade do gabinete. Agora meu partido tem boas chances de fazer um bom trabalho. Se o conseguirmos, não me faltará mais nada.

Pergunta - O que o senhor quer dizer? Está renunciando a Viena?
Haider -
Sim, estou satisfeito em ser apenas o governador da Caríntia.

Pergunta - E se lhe pedirem que faça o "sacrifício"?
Haider -
Bom, nesse caso serei chanceler, mas não é esse meu desejo pessoal.

Pergunta - Mas agora o senhor não está sentindo o peso do crescente isolamento internacional, sobretudo europeu?
Haider -
A Europa cometeu um grande erro e violou o princípio da unanimidade das decisões, com suas sanções contra o novo governo austríaco. Fomos condenados por algo que não aconteceu, algo que apenas poderia vir a acontecer no futuro.

Pergunta - O senhor diz que a Europa vai se envergonhar. Por que?
Haider -
Falei que faremos uma política que vai envergonhar a todos que condenaram a Áustria de maneira impensada, usando argumentos que não têm fundamento na realidade. Espero que todos os políticos que insultaram a Áustria e meu partido tenham, no futuro, a coragem de vir nos pedir desculpas.

Pergunta - Mas a verdade é que o conflito com os países europeus, mais os EUA, Israel e outros países, tende a se agravar. A gente se apóia nos amigos. Quais são seus amigos na Europa? Que partidos apóiam sua causa?
Haider -
Temos cada vez mais amigos entre os cidadãos europeus. Na Dinamarca cresce um movimento, inclusive dentro do governo, porque os dinamarqueses também são um país pequeno e temem que aconteça com eles o que está acontecendo com a Áustria.

Pergunta - De que partidos políticos europeus o senhor se sente amigo?
Haider -
De nenhum. Como eu já lhe disse, a situação austríaca, na qual crescemos, é específica.

Pergunta - Mas qual é o exemplo político a seguir?
Haider -
Entre os políticos contemporâneos, não tenho nenhum. Se eu tiver que mencionar alguém, direi que eu gostava da política e do estilo do primeiro-ministro social-democrata alemão Helmut Schmidt, muito tempo atrás.

Pergunta - Outro motivo de discordância entre a maioria dos países europeus e o novo governo austríaco é a questão da ampliação da União Européia em direção ao leste. Dos 15 países atuais, dentro de alguns anos a UE passará a ter 20 ou 25. É verdade que o senhor vê isso como grave risco para a Europa?
Haider -
A ampliação tem aspectos positivos e negativos. Antes de levá-la adiante, é preciso eliminar os riscos que ela implica. Um deles é a abertura do mercado de trabalho. Se abrirmos nossas fronteiras para o leste, nosso país será invadido por mão-de-obra barata e os austríacos perderão seus empregos.

Pergunta - Que solução o senhor propõe? Eliminar a liberdade de movimento que é a base da União Européia?
Haider -
Precisamos conseguir uma solução no mercado de trabalho antes que a ampliação seja oficializada. Por exemplo, é preciso nivelar as rendas, e para isso é preciso um período de transição longo. Se não o fizermos, haverá graves conflitos sociais.

Pergunta - Mas isso significa adiar todo o processo de ampliação, criando grandes problemas políticos. E prejudicaria a liberdade de movimento das pessoas, como prevê o Tratado de Amsterdã. Como o senhor superaria esse obstáculo?
Haider -
A fórmula é que não haverá um mercado livre de trabalho, mas sim um livre deslocamento de pessoas. Liberdade de movimento mas não liberdade para trabalhar, até que se consiga nivelar as rendas.

Pergunta - E o senhor acha que os outros 14 países da UE aceitarão sua idéia?
Haider -
Eles estão se dando conta do problema. Num primeiro momento nos criticaram, mas agora o Partido Socialista austríaco já pensa como nós. Também o premiê Wolfang Schuessel (conservador cristão, aliado do partido de Haider) diz que um período de transição é necessário.


Tradução de Clara Allain


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