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Paquistão patrocinou uma rede clandestina de material nuclear
DA REPORTAGEM LOCAL
Três levantamentos revelaram
ontem em detalhes a rede internacional de tráfico de componentes
nucleares formada em torno do
Paquistão. O assustador está no
fato de essa máquina industrial
clandestina não ter sido desmantelada a tempo de evitar a proliferação de tecnologia que pode ser
usada com fins militares.
As informações foram publicadas pelos jornais "The New York
Times" e "Le Monde" e pelo serviço online da rede britânica BBC.
As três reportagens revelam que
os EUA tinham indícios do tráfico
há pelo menos 20 anos.
O escândalo se tornou público
na semana passada, quando Abdul Qadeer Khan, o "pai" da bomba paquistanesa, confessou a venda ilegal de equipamentos para o
Irã, a Coréia do Norte e a Líbia.
As reportagens ressaltam a facilidade com que Khan atuou e duvidam da versão oficial paquistanesa, de que ele teria agido sozinho e sem a cumplicidade de militares e governantes locais.
Khan foi encarregado em 1974
pelo Paquistão de produzir um
artefato nuclear para se contrapor
à bomba que a Índia explodira naquele ano. Como era prioridade
nacional, teve todos os recursos
que pediu e acabou comprando
mais equipamentos do que necessitava. A partir dos anos 1980, ele
passou de comprador a fornecedor. É possível que algo tenha caído em mãos de extremistas islâmicos. Segundo o "Le Monde", o
governo paquistanês -que mantém presos três cientistas e três
militares da reserva que trabalharam com Khan- nega que isso
tenha ocorrido.
Mas Khan se relacionou, no início de sua carreira, com Mohammed Mahmoud, preso pelos EUA
depois do 11 de Setembro por ter
ao menos por duas vezes se avistado com Osama bin Laden.
O Khan Research Laboratory
(KRL), nas imediações de Islamabad, "produziu uma tonelada de
urânio altamente enriquecido. Se
faltarem 15 ou 20 quilos no estoque, já teremos motivo para nos
preocupar", disse o físico paquistanês A. H. Nayymar.
Khan tirou proveito de verbas
oficiais não submetidas a nenhum controle. Tornou-se milionário e passou a operar com seus
cúmplices de forma quase autônoma.
A prova definitiva de que a rede
de traficantes existia foi obtida em
outubro do ano passado. Foi
quando, transportando seis contêineres recebidos da Malásia, um
cargueiro de bandeira alemã, o
BBC China, zarpou de Dubai com
destino à Líbia.
O navio foi interceptado pela
Itália e pela Alemanha a partir de
informações dos Estados Unidos.
Em lugar de "máquinas usadas",
segundo a nota fiscal, os contêineres transportavam tubos para
montar centrífugas. Centrífugas
são máquinas que separam no
urânio as partículas de isótopos
mais pesadas, o U-235, para a produção de plutônio, matéria-prima para a bomba atômica.
Líbia
Depois da queda de Saddam
Hussein, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, decidiu fazer as pazes com os EUA e europeus e
abandonar seu programa de armas de destruição em massa.
Há mesmo a possibilidade de a
Líbia ter tomado a iniciativa de informar Washington de que estava
esperando a encomenda.
Os tubos tinham sido produzidos na Malásia por uma empresa
chamada Scomi Precision Engineering. Ela recebera a encomenda de uma outra empresa com sede em Dubai, a Gulf Technical Industries (GTI). Dela são sócios
Bukhari Tahir, que se supõe ser o
testa-de-ferro de Khan, e um cidadão britânico, Paul Griffin, antigo fornecedor do Paquistão e
que nega ter feito negócios sem o
prévio conhecimento de Londres.
A prova inequívoca de que a rede de traficantes fornecia centrífugas para o enriquecimento de
urânio permitiu também que se
fechasse um quebra-cabeças
aberto desde o ano passado.
Recapitulando: Mohamed El
Baradei, diretor da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU), esteve no Irã com
técnicos que encontraram vestígios de plutônio numa centrífuga
para fins civis, das que produzem
combustível para usinas nucleares, com 5% de U-235.
Interpelado, o Irã disse ter recebido de terceiros o equipamento
com o vestígio. A solução do enigma: o Paquistão se desfazia de
centrífugas mais antigas, de alumínio, e passava a utilizar aparelhos de aço, de uma geração mais
avançada. No mercado clandestino, acabou vendendo equipamento já usado para seus clientes
iranianos. A Líbia também receberia máquinas de modelo antigo.
Segundo o "New York Times",
caso implementasse seu programa idealizado em 1987 para a instalação de 50 mil centrífugas conectadas uma às outras, o Irã teria
produzido plutônio para construir 30 bombas por ano.
"Gênio do mal"
Khan é uma espécie de "gênio
do mal". No início dos anos 70, ele
era um engenheiro químico sem
maior conhecimento sobre tecnologia nuclear. Trabalhava na Holanda, em uma empresa chamada
Physics Dynamic Research Laboratory (FDO). Esta, por sua vez,
era terceirizada para a produção
de partes de centrífugas para a
Urenco, consórcio europeu de
produção de combustível, integrado por britânicos, holandeses
e alemães (a França tinha programa nuclear próprio).
Segundo a BBC, Khan dividia a
mesma sala de trabalho na FDO
com um fotógrafo, Frits Veerman. Passados mais de 30 anos,
este declarou que, ao visitar o paquistanês em sua casa, notou que
ele havia surrupiado da empresa
projetos para a fabricação de centrífugas. Foi com base nesses projetos que ele produziu suas próprias máquinas perto de Islamabad e tornou-se um herói nacional no Paquistão.
(JOÃO BATISTA NATALI)
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