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MEMÓRIA
Cidade foi maior vítima das bombas jogadas de aviões aliados; espaços vazios até hoje são lembranças da destruição
Dresden, 60 anos depois, ainda ressente bombardeio
TONY PATERSONE
DO "INDEPENDENT", EM DRESDEN
Rudolf Eichner tira uma peça
enegrecida de xadrez do bolso.
Tenta fazer um relato "objetivo"
do que aconteceu com ele em
Dresden na noite de 13 de fevereiro de 1945, mas lágrimas se formam em seus olhos azuis.
Anos depois daquela noite que
passou encolhido, procurando
abrigar-se do selvagem ataque aéreo e da tempestade de fogo que
destruíram 75% da cidade e deixaram 35 mil mortos, Eichner,
hoje com 80 anos, encontrou a peça de xadrez. Ela estava no pedacinho de terra em que ele ficou.
"É a única coisa que consegui
salvar do bombardeio, e cada vez
que olho para ela tenho emoções
que não consigo controlar."
Em fevereiro de 1945, Eichner tinha retornado havia pouco do
front russo. Tinha 20 anos e estava
internado num hospital militar
montado numa escola convertida. "Meu pai levou seu jogo de xadrez ao hospital para me ajudar a
passar o tempo."
Eichner estava em melhores
condições do que a maior parte da
cidade para resistir ao bombardeio. O hospital tinha uma equipe
de bombeiros, e ele e seus colegas
feridos sobreviveram aos primeiros ataques quase ilesos. Apagaram dezenas de bombas incendiárias que penetraram o telhado
do hospital. "Estávamos dispostos a continuar a combater os incêndios até tudo terminar", lembrou Eichner. Mas de manhã o segundo ataque começou.
"Não houve avisos das sirenes.
Fomos pegos de surpresa. Corremos para os porões do hospital.
Mas eles lotaram. Ficou insuportável. O aperto era tão grande que
nem era possível cair."
O hospital foi atingido várias vezes. As luzes se apagaram e tijolos
foram atirados para dentro do porão. "O ar estava sufocante, cheio
de poeira e fumaça. Vi uma mulher se jogar sobre o berço de seu
bebê, para proteger a criança."
Alguém gritou que o térreo estava em chamas. "Tínhamos de sair
dali, mas não sabíamos aonde ir",
conta Eichner. "Além do fogo, estava quase impossível respirar no
porão, porque o incêndio estava
sugando o ar para fora."
Ele e cinco outros soldados
mergulharam no inferno da cidade velha. "Não podíamos ficar em
pé. Ficamos de quatro, nos arrastando pelo chão", disse Eichner.
Os seis acharam um lugar atrás
de uma pilha de entulho. "Cobrimos nossos rostos com trapos
molhados e passamos as seis horas seguintes apagando o fogo que
começava a toda hora no cabelo e
na roupa." O asfalto da rua tinha
derretido e arrancava os sapatos
das pessoas. Muitos não conseguiam andar. Caíram ao chão e
morreram sufocadas.
Quando amanheceu, a pele de
Eichner estava coberta de feridas
e bolhas. Tinha perdido todo o cabelo, cílios e sobrancelhas. Foi à
estação ferroviária que, quando o
ataque começou, estava lotada de
refugiados. Viu cenas medonhas.
"Havia corpos chamuscados por
toda parte." Os cadáveres tinham
os torsos enegrecidos, mas as pernas "cor-de-rosa, como carne de
porco". Ali na estação, Eichner
encontrou seu pai. Ele tinha desabado de exaustão depois de passar horas carregando corpos.
Nos dias seguintes, Eichner
lembra de ter atravessado a praça
central, a Altmarkt, onde guardas
da SS cremavam 6.865 corpos empilhados. Hoje Eichner vai inaugurar uma placa na Altmarkt em
memória aos mortos.
"A experiência do bombardeio
foi muito pior do que o front russo", contou Eichner. "Lá, tínhamos medo, mas havia alguma liberdade de ação. No bombardeio,
o pior foi a sensação de estar totalmente impotente. A única coisa
que podíamos fazer era rezar."
Apesar do horror que viveu naquela noite, Eichner não culpa os
britânicos. "Eles eram como eu:
estavam apenas travando uma
guerra e tentando acabar com ela
o mais rapidamente possível."
Eichner aponta para os paralelepípedos de granito, que sobreviveram aos bombardeios. Quase
todas as pedras estão marcadas
por estilhaços de bombas. Em fotos dos anos 1950, Dresden parece
uma paisagem lunar, com apenas
três edifícios em meio a um mar
de destroços.
Apesar da reconstrução da
Frauenkirche (Igreja das Mulheres) e dos prédios barrocos, Dresden tem espaços verdes demais
para que se possa ficar à vontade.
"Para mim, Dresden é uma ferida
aberta", diz Eichner.
Tradução de Clara Allain
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