São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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"Só uma predisposição no cérebro pode explicar atos tão horríveis"

DE NOVA YORK

Michael Stone, psiquiatra e estudioso da personalidade que criou a escala do mal, acredita que o cérebro algumas pessoas seja predisposto ao mal. Para elas, diz, não há tratamento possível.
O médico recebeu a Folha nesta semana em seu consultório, em frente ao Central Park, para explicar sua teoria. Eis os principais trechos da entrevista. (LC)
 

Folha - Como o sr. chegou ao mal como diagnóstico?
Michael Stone -
Tenho estudado assassinos há 17 ou 18 anos, e alguns deles, além de matar, submetem suas vítimas a tortura, degradações e humilhações. Quando você vê uma série de ações juntas -sadismo, frieza e subjugar a vítima para aumentar seu poder sobre ela, ou subtrair a humanidade de uma pessoa e submetê-la a coisas horríveis- você está lidando com o mal. Eu faço uma distinção entre tempos de paz e guerra, onde há o conflito do grupo. Por exemplo, o Taliban, no Afeganistão, submetia uma mulher a cem chibatadas se ela fosse à loja da esquina sem um parente homem. A maioria das pessoas acha que isso é o mal, mas o Taliban achava sensacional. Nesse caso, tentamos usar o padrão do grupo. Já em tempos de paz fica mais claro pensar em exemplos que seriam consenso universal. A filosofia diz não haver mal absoluto. Mas eu e minha colega Angela Hegarty concluímos que algumas pessoas chegam muito perto dessa dimensão.

Folha - O que às vezes é visto como mal não pode ser algum tipo de desequilíbrio mental?
Stone -
Não necessariamente. Há pessoas desequilibradas, mas a maioria desses casos é de psicopatas, ou gente com traços de psicopatia, o que significa que elas não estão em delírio. Por exemplo: Andrea Yates, que afogou os cinco filhos na banheira de casa, estava louca. Foi um ato de maldade, mas não cometido por uma pessoa má. O marido a forçava a viver fechada num treiler com os cinco filhos, dando aula para eles, sem sair de casa. Um dia ela surtou. Agora veja Ian Brady, que estrangulava crianças no Reino Unido, gravava os gritos e tocava como estimulante sexual. Foi criado por um casal bacana. Só pode haver uma predisposição no cérebro para atos tão horríveis.

Folha - O sr. está dizendo que a maldade é inata?
Stone -
Algumas vezes. Algumas vezes a pessoa sofreu maus-tratos na infância. Mas normalmente as duas coisas vêm juntas. E há gente como Brady, sem histórico de abuso, que só pode ter uma deficiência no cérebro que permite sentir compaixão por outras pessoas ou animais. Brady, quando adolescente, enterrava coelhos e gatos até o pescoço e passava um aparador de grama por cima.

Folha - O sr. diz que episódios de crueldade na infância, como matar passarinhos, são sinal de que a pessoa pode continuar agindo assim quando adulta?
Stone -
Crianças podem até matar passarinhos, mas bem poucas colocam fogo num gato. Quando você passa para animais maiores, com os quais a maioria das pessoas se identifica... Veja Jeffrey Dahmer [o canibal de Milwaukee]. Quando adolescente, ele cortava cabeças de gatos e cachorros, fincava num pedaço de pau e colocava no jardim. Ninguém prestava atenção, e são atos que todos concordamos tratarem-se de maldade. Claro que na minha escala do mal alguns são piores do que outros. Num caso extremo como o dos Dollar, que torturavam os filhos, você pensa que se temos a palavra "mal" na nossa língua, é a isso que ela se aplica. Mesmo que nós não usemos a palavra profissionalmente, muitas vezes pensamos nela diante de um criminoso. E um sujeito que fez a mesma coisa várias vezes tem uma chance de tratamento igual a zero, e deve ser separado da sociedade -seja numa cadeia ou num hospital-, porque é perigoso.

Folha - Não é algo que se possa controlar ou educar?
Stone -
Não nesse nível. Se essas pessoas tivessem senso de misericórdia, não teriam feito essas coisas. Caso fosse possível desenvolver esse senso, e essas pessoas se compadecessem de suas vítimas e das coisas horríveis que fizeram, elas acabariam se matando. A medida de um tratamento bem-sucedido seria o suicídio. Mas aí não há mais paciente. Há uma peça sobre um assassino serial, a mãe de uma das vítimas e um terapeuta. A mãe confronta o assassino, e o terapeuta também, até que no fim da peça ele começa a se compadecer das crianças que matou e se enforca. Vê? Esse é um tratamento bem-sucedido (risos).


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