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"Só uma predisposição no cérebro pode explicar atos tão horríveis"
DE NOVA YORK
Michael Stone, psiquiatra e estudioso da personalidade que
criou a escala do mal, acredita que
o cérebro algumas pessoas seja
predisposto ao mal. Para elas, diz,
não há tratamento possível.
O médico recebeu a Folha nesta
semana em seu consultório, em
frente ao Central Park, para explicar sua teoria. Eis os principais
trechos da entrevista.
(LC)
Folha - Como o sr. chegou ao mal
como diagnóstico?
Michael Stone - Tenho estudado
assassinos há 17 ou 18 anos, e alguns deles, além de matar, submetem suas vítimas a tortura, degradações e humilhações. Quando você vê uma série de ações juntas -sadismo, frieza e subjugar a
vítima para aumentar seu poder
sobre ela, ou subtrair a humanidade de uma pessoa e submetê-la
a coisas horríveis- você está lidando com o mal. Eu faço uma
distinção entre tempos de paz e
guerra, onde há o conflito do grupo. Por exemplo, o Taliban, no
Afeganistão, submetia uma mulher a cem chibatadas se ela fosse à
loja da esquina sem um parente
homem. A maioria das pessoas
acha que isso é o mal, mas o Taliban achava sensacional. Nesse caso, tentamos usar o padrão do
grupo. Já em tempos de paz fica
mais claro pensar em exemplos
que seriam consenso universal. A
filosofia diz não haver mal absoluto. Mas eu e minha colega Angela
Hegarty concluímos que algumas
pessoas chegam muito perto dessa dimensão.
Folha - O que às vezes é visto como mal não pode ser algum tipo de
desequilíbrio mental?
Stone - Não necessariamente.
Há pessoas desequilibradas, mas
a maioria desses casos é de psicopatas, ou gente com traços de psicopatia, o que significa que elas
não estão em delírio. Por exemplo: Andrea Yates, que afogou os
cinco filhos na banheira de casa,
estava louca. Foi um ato de maldade, mas não cometido por uma
pessoa má. O marido a forçava a
viver fechada num treiler com os
cinco filhos, dando aula para eles,
sem sair de casa. Um dia ela surtou. Agora veja Ian Brady, que estrangulava crianças no Reino
Unido, gravava os gritos e tocava
como estimulante sexual. Foi
criado por um casal bacana. Só
pode haver uma predisposição no
cérebro para atos tão horríveis.
Folha - O sr. está dizendo que a
maldade é inata?
Stone - Algumas vezes. Algumas
vezes a pessoa sofreu maus-tratos
na infância. Mas normalmente as
duas coisas vêm juntas. E há gente
como Brady, sem histórico de
abuso, que só pode ter uma deficiência no cérebro que permite
sentir compaixão por outras pessoas ou animais. Brady, quando
adolescente, enterrava coelhos e
gatos até o pescoço e passava um
aparador de grama por cima.
Folha - O sr. diz que episódios de
crueldade na infância, como matar
passarinhos, são sinal de que a pessoa pode continuar agindo assim
quando adulta?
Stone - Crianças podem até matar passarinhos, mas bem poucas
colocam fogo num gato. Quando
você passa para animais maiores,
com os quais a maioria das pessoas se identifica... Veja Jeffrey
Dahmer [o canibal de Milwaukee]. Quando adolescente, ele
cortava cabeças de gatos e cachorros, fincava num pedaço de pau e
colocava no jardim. Ninguém
prestava atenção, e são atos que
todos concordamos tratarem-se
de maldade. Claro que na minha
escala do mal alguns são piores do
que outros. Num caso extremo
como o dos Dollar, que torturavam os filhos, você pensa que se
temos a palavra "mal" na nossa língua, é a isso que ela se aplica. Mesmo que nós não usemos a palavra
profissionalmente, muitas vezes
pensamos nela diante de um criminoso. E um sujeito que fez a
mesma coisa várias vezes tem
uma chance de tratamento igual a
zero, e deve ser separado da sociedade -seja numa cadeia ou num
hospital-, porque é perigoso.
Folha - Não é algo que se possa
controlar ou educar?
Stone - Não nesse nível. Se essas
pessoas tivessem senso de misericórdia, não teriam feito essas coisas. Caso fosse possível desenvolver esse senso, e essas pessoas se
compadecessem de suas vítimas e
das coisas horríveis que fizeram,
elas acabariam se matando. A medida de um tratamento bem-sucedido seria o suicídio. Mas aí não
há mais paciente. Há uma peça
sobre um assassino serial, a mãe
de uma das vítimas e um terapeuta. A mãe confronta o assassino, e
o terapeuta também, até que no
fim da peça ele começa a se compadecer das crianças que matou e
se enforca. Vê? Esse é um tratamento bem-sucedido (risos).
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