São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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MÍDIA

Greg Dyke foi demitido da rede estatal britânica após reportagem acusando governo de exagerar provas contra Iraque

Tony Blair deveria renunciar, diz ex-diretor da BBC

DE LONDRES

Para Greg Dyke, 57 anos, a guerra no Iraque teve um custo alto. O ex-diretor-geral da BBC (British Broadcasting Corporation) foi obrigado a renunciar ao seu cargo -um dos mais importantes da mídia mundial- depois que um inquérito judicial concluiu que a emissora havia falhado ao veicular uma reportagem na qual acusava o governo britânico de ter "apimentado" um dossiê sobre armas de destruição em massa no Iraque. Passado um ano, ele não esconde a revolta.
Não poupa críticas ao premiê, Tony Blair, e aos membros do seu gabinete. O magnata do setor de mídia Rupert Murdoch, dono da News Corporation, também é alfinetado. Para Dyke, Blair deveria renunciar. Ele -que publicou recentemente o livro "Inside Story", contando sua versão dos fatos- afirma que os eleitores britânicos podem até reeleger o premiê, "mas não confiam mais nele".
Em relação à polêmica reportagem feita pelo repórter Andrew Gilligan sobre as supostas armas de destruição em massa do Iraque, Dyke diz que os recentes relatórios sobre o assunto -que concluíram que o governo, de fato, exagerou- provam que estava correta a informação passada ao jornalista por David Kelly, cientista do governo que acabou se suicidando depois que foi identificado publicamente como a fonte anônima da matéria.
O único assunto que Dyke evita, limitando-se a dizer que acha que "alguns cortes seriam desnecessários", é a reestruturação anunciada recentemente pela nova direção da BBC que envolverá milhares de demissões.
Leia a seguir trechos da entrevista que Dyke concedeu à Folha. (ÉRICA FRAGA)
 

Folha - Como o sr. avalia a precisão da reportagem de Andrew Gilligan?
Greg Dyke -
Agora sabemos que o que o doutor Kelly disse a Gilligan estava certo. Sabemos que, na verdade, eles sabiam que aquele dossiê havia sido exagerado e algum exagero foi feito pelo pessoal de dentro de Downing Street (sede do gabinete de Tony Blair).

Folha - A BBC cometeu erros de avaliação nesse caso?
Dyke -
Acho que algumas palavras usadas por Gilligan não eram as ideais. Mas, basicamente, ele achou a história da década.

Folha - Analistas dizem que Blair será reeleito neste ano.
Dyke -
Não sabemos quem o eleitorado apoiará. Acho que só saberemos isso na época das eleições. Não acho que o Partido Trabalhista ganhará tão facilmente como pensa e tão facilmente como as pessoas dizem. Mas acho que a falta de uma oposição confiável é um fator significativo.
Não tenho certeza se o público britânico se preocupa muito com as razões para ir à guerra do Iraque agora. Eles acham que isso é ontem. Estão mais propensos a votar pensando em sua situação econômica do que no Iraque. Mas é bastante claro que Tony Blair perdeu a confiança do povo britânico, e permanentemente. Podem elegê-lo, mas não confiam nele.
Blair deveria renunciar. Não digo que ele mentiu, mas, como premiê, não fez as perguntas ao serviço de inteligência que deveria. Quando descobriu que a história que ofereceu à nação não era verdadeira, ele deveria ter feito o que qualquer político responsável faria nessas circunstâncias, que seria renunciar.

Folha - No seu livro, o sr. diz que o governo tentou interferir diretamente na cobertura da BBC da guerra. Como avalia isso?
Dyke -
Não se pode avaliar isso. Todos os governos tentarão fazer isso. Os governantes são políticos. O trabalho das redes de televisão é ignorá-los nessas circunstâncias como nós ignoramos Blair.

Folha - Alguns meios de comunicação nos EUA se desculparam recentemente por não terem sido mais críticos em relação à guerra. Como o sr. analisa o papel da mídia nessa cobertura?
Dyke -
Sem dúvida, durante a guerra, a mídia americana -as redes de televisão, com certeza- não questionaram suficientemente [o governo]. Aqui os jornais de [Rupert] Murdoch [que controla, no país, os jornais "The Sun", "News of the World", "The Times" e "The Sunday Times"] continuam a favor da guerra.
Eu, pessoalmente, não fui contra a guerra. Marginalmente, fui a favor porque acreditei no que Blair nos disse. Agora está claro que o que ele nos disse não era verdade. Está claro que não havia uma política para depois da invasão. Estamos terminando numa situação parecida com a do Vietnã que vai continuar.

Folha - E quais serão as conseqüências políticas disso?
Dyke -
O impacto de longo prazo para este país será o renascimento do debate sobre a forma como a democracia opera. Porque agora está bastante claro que nos movemos de um governo de gabinete para um governo presidencialista. E, se é este o caso, precisaremos de mais mecanismos de supervisão dos atos do "presidente". Um dos papéis dos membros do gabinete numa democracia é supervisionar o premiê, e eles falharam.

Folha - Qual foi a lição que a guerra deixou para a mídia?
Dyke -
Bem, acho que é claro que os jornais de Murdoch receberam instruções de cima para apoiar a guerra, ponto final. Suspeito que Murdoch faria o mesmo novamente. Isso mostra os perigos, em uma democracia, da concentração de poder em uma mão particular. Em termos das redes de televisão, acho que elas foram bem no Reino Unido, fizeram as perguntas certas. Se a reportagem de Andrew Gilligan tivesse sido transmitida pelo Channel 4 [um dos canais da TV aberta no Reino Unido] ninguém teria notado. O que ocorreu teve a ver com a relação entre a BBC e o Alastair Campbell [ex-diretor de Comunicação de Blair que também renunciou após o suicídio de Kelly]. Ele transformou aquilo em um evento enorme.

Folha - Como o sr. vê as transformações por que as grandes redes de televisão estão passando?
Dyke -
Acho que o que vemos nos EUA é o problema de uma sociedade sem uma BBC. É interessante que a BBC ainda é a principal fonte de informação para a maioria da população britânica.
Neste país, não entendemos o que ganhamos com a BBC. Na verdade, deveríamos acordar todo dia e agradecer a Deus que a temos.


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