|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÍDIA
Greg Dyke foi demitido da rede estatal britânica após reportagem acusando governo de exagerar provas contra Iraque
Tony Blair deveria renunciar, diz ex-diretor da BBC
DE LONDRES
Para Greg Dyke, 57 anos, a
guerra no Iraque teve um custo alto. O ex-diretor-geral da BBC
(British Broadcasting Corporation) foi obrigado a renunciar ao
seu cargo -um dos mais importantes da mídia mundial- depois que um inquérito judicial
concluiu que a emissora havia falhado ao veicular uma reportagem na qual acusava o governo
britânico de ter "apimentado" um
dossiê sobre armas de destruição
em massa no Iraque. Passado um
ano, ele não esconde a revolta.
Não poupa críticas ao premiê,
Tony Blair, e aos membros do seu
gabinete. O magnata do setor de
mídia Rupert Murdoch, dono da
News Corporation, também é alfinetado. Para Dyke, Blair deveria
renunciar. Ele -que publicou recentemente o livro "Inside Story",
contando sua versão dos fatos-
afirma que os eleitores britânicos
podem até reeleger o premiê,
"mas não confiam mais nele".
Em relação à polêmica reportagem feita pelo repórter Andrew
Gilligan sobre as supostas armas
de destruição em massa do Iraque, Dyke diz que os recentes relatórios sobre o assunto -que
concluíram que o governo, de fato, exagerou- provam que estava correta a informação passada
ao jornalista por David Kelly,
cientista do governo que acabou
se suicidando depois que foi identificado publicamente como a
fonte anônima da matéria.
O único assunto que Dyke evita,
limitando-se a dizer que acha que
"alguns cortes seriam desnecessários", é a reestruturação anunciada recentemente pela nova direção da BBC que envolverá milhares de demissões.
Leia a seguir trechos da entrevista que Dyke concedeu à Folha.
(ÉRICA FRAGA)
Folha - Como o sr. avalia a precisão da reportagem de Andrew Gilligan?
Greg Dyke - Agora sabemos que
o que o doutor Kelly disse a Gilligan estava certo. Sabemos que, na
verdade, eles sabiam que aquele
dossiê havia sido exagerado e algum exagero foi feito pelo pessoal
de dentro de Downing Street (sede do gabinete de Tony Blair).
Folha - A BBC cometeu erros de
avaliação nesse caso?
Dyke - Acho que algumas palavras usadas por Gilligan não eram
as ideais. Mas, basicamente, ele
achou a história da década.
Folha - Analistas dizem que Blair
será reeleito neste ano.
Dyke - Não sabemos quem o
eleitorado apoiará. Acho que só
saberemos isso na época das eleições. Não acho que o Partido Trabalhista ganhará tão facilmente
como pensa e tão facilmente como as pessoas dizem. Mas acho
que a falta de uma oposição confiável é um fator significativo.
Não tenho certeza se o público
britânico se preocupa muito com
as razões para ir à guerra do Iraque agora. Eles acham que isso é
ontem. Estão mais propensos a
votar pensando em sua situação
econômica do que no Iraque. Mas
é bastante claro que Tony Blair
perdeu a confiança do povo britânico, e permanentemente. Podem
elegê-lo, mas não confiam nele.
Blair deveria renunciar. Não digo que ele mentiu, mas, como
premiê, não fez as perguntas ao
serviço de inteligência que deveria. Quando descobriu que a história que ofereceu à nação não era
verdadeira, ele deveria ter feito o
que qualquer político responsável
faria nessas circunstâncias, que
seria renunciar.
Folha - No seu livro, o sr. diz que o
governo tentou interferir diretamente na cobertura da BBC da
guerra. Como avalia isso?
Dyke - Não se pode avaliar isso.
Todos os governos tentarão fazer
isso. Os governantes são políticos.
O trabalho das redes de televisão é
ignorá-los nessas circunstâncias
como nós ignoramos Blair.
Folha - Alguns meios de comunicação nos EUA se desculparam recentemente por não terem sido
mais críticos em relação à guerra.
Como o sr. analisa o papel da mídia
nessa cobertura?
Dyke - Sem dúvida, durante a
guerra, a mídia americana -as
redes de televisão, com certeza-
não questionaram suficientemente [o governo]. Aqui os jornais de
[Rupert] Murdoch [que controla,
no país, os jornais "The Sun",
"News of the World", "The Times" e "The Sunday Times"] continuam a favor da guerra.
Eu, pessoalmente, não fui contra a guerra. Marginalmente, fui a
favor porque acreditei no que
Blair nos disse. Agora está claro
que o que ele nos disse não era
verdade. Está claro que não havia
uma política para depois da invasão. Estamos terminando numa
situação parecida com a do Vietnã que vai continuar.
Folha - E quais serão as conseqüências políticas disso?
Dyke - O impacto de longo prazo
para este país será o renascimento
do debate sobre a forma como a
democracia opera. Porque agora
está bastante claro que nos movemos de um governo de gabinete
para um governo presidencialista.
E, se é este o caso, precisaremos
de mais mecanismos de supervisão dos atos do "presidente". Um
dos papéis dos membros do gabinete numa democracia é supervisionar o premiê, e eles falharam.
Folha - Qual foi a lição que a guerra deixou para a mídia?
Dyke - Bem, acho que é claro que
os jornais de Murdoch receberam
instruções de cima para apoiar a
guerra, ponto final. Suspeito que
Murdoch faria o mesmo novamente. Isso mostra os perigos, em
uma democracia, da concentração de poder em uma mão particular. Em termos das redes de televisão, acho que elas foram bem
no Reino Unido, fizeram as perguntas certas. Se a reportagem de
Andrew Gilligan tivesse sido
transmitida pelo Channel 4 [um
dos canais da TV aberta no Reino
Unido] ninguém teria notado. O
que ocorreu teve a ver com a relação entre a BBC e o Alastair
Campbell [ex-diretor de Comunicação de Blair que também renunciou após o suicídio de Kelly].
Ele transformou aquilo em um
evento enorme.
Folha - Como o sr. vê as transformações por que as grandes redes
de televisão estão passando?
Dyke - Acho que o que vemos
nos EUA é o problema de uma sociedade sem uma BBC. É interessante que a BBC ainda é a principal fonte de informação para a
maioria da população britânica.
Neste país, não entendemos o
que ganhamos com a BBC. Na
verdade, deveríamos acordar todo dia e agradecer a Deus que a temos.
Texto Anterior: Polêmica: "Fogo amigo" derruba executivo da CNN Próximo Texto: Frase Índice
|