São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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AMÉRICA DO SUL

Para alguns, cenário é semelhante ao que levou à derrubada de Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003

Analistas temem o pior na crise boliviana

CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

A construção de um acordo político genérico e sem respaldo social, o rompimento do diálogo entre setores oposicionistas chaves e o governo, além do acirramento de uma situação de polarização social são peças que compõem um panorama dramático para a estabilidade na Bolívia e a própria continuidade do governo do presidente Carlos Mesa. Analistas já falam de um cenário semelhante ao que levou à derrubada do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003.
O pedido de renúncia do presidente, seguido de sua confirmação no cargo pelo Congresso boliviano após firmado um acordo partidário sobre os pontos que travavam seu governo, chegou a ser qualificado de golpe de mestre por especialistas. Isso por ter lhe dado respaldo da classe média e maioria no Congresso para impulsionar sua agenda política.
Para muitos, porém, o movimento garantiu a Mesa apenas uma trégua mínima e de curta duração -como sinalizou o fracasso nas negociações com a oposição, que prometeu então incrementar "medidas de pressão".
"A tendência na Bolívia é que haja uma maior escalada no conflito social e o que vemos hoje são expressões desse processo", disse à Folha o sociólogo boliviano Juan Ramón Quintana.
O próprio presidente contribui para esse acirramento do conflito, por exemplo, ao tirar o debate político da esfera das instituições e jogá-lo para a esfera das manifestações populares. "Mesa acumulou capital político para levar os movimentos sociais contra parede. E o que ele conseguiu foi uma radicalização", disse Quintana. "Ele fez voltar o cenário político de 2003, que derrotou Lozada. É o mesmo repertório, o mesmo discurso e o mesmo tipo de acordo. A diferença é que Mesa não está disposto a usar a força."
O senador Joaquín Monasterio Pinckert, do Movimento Nacionalista Revolucionário -o partido do ex-presidente- concorda. "Parece que estamos vivendo os mesmos momentos de angústia que antecederam a queda de Lozada", escreveu no diário "El Deber". "E mais, a convulsão social é de maior envergadura que a de então, com a única diferença de que ainda não há mortos."
Nesse processo, exerce um papel importante o líder dos cocaleiros e da oposição a Mesa, Evo Morales, ao lado de lideranças indígenas e sindicais. "São líderes que recolhem as demandas de cidadania dos setores mais pobres e excluídos. Mas não articulam essas demandas com as da classe média e aí é que exercitam uma visão radical do mundo. Vêem o mundo a partir de uma lógica de guerra", disse Quintana.
Analistas também vêem com ceticismo a possibilidade de que o pacto firmado com os principais partidos com representação partidária -o qual se negaram a apoiar o Movimento ao Socialismo, de Morales, e o Movimento Indígena Pachakuti, de Felipe Quispe- garanta governabilidade mesmo no médio prazo. "É alarmante a generalidade do pacto. Não é possível lê-lo sem chegar à conclusão de que foi um salva-vidas de último momento", disse Óscar Ortiz Antelo, gerente-geral da Câmara de Indústria, Comércio, Serviço e Turismo de Santa Cruz - departamento apontado como motor econômico do país.
"As bases do pacto não podem funcionar sem um acordo social. E esse é um pacto formalizado, mas sem conteúdo social e sem a força da sociedade e de mobilização para que a agenda seja cumprida", avaliou Quintana. "Está quase ferido de morte."
Para o sociólogo, a mídia boliviana também tem sua parcela de culpa. "O papel dos meios na crise precisa ser pensado. São vinculados ao poder econômico e são conspiradores: conspiram não apenas contra a estabilidade democrática, mas contra uma cultura de pacificação e de respeito à pluralidade."


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