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AMÉRICA DO SUL
Para alguns, cenário é semelhante ao que levou à derrubada de Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003
Analistas temem o pior na crise boliviana
CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
A construção de um acordo político genérico e sem respaldo social, o rompimento do diálogo entre setores oposicionistas chaves e
o governo, além do acirramento
de uma situação de polarização
social são peças que compõem
um panorama dramático para a
estabilidade na Bolívia e a própria
continuidade do governo do presidente Carlos Mesa. Analistas já
falam de um cenário semelhante
ao que levou à derrubada do ex-presidente Gonzalo Sánchez de
Lozada, em 2003.
O pedido de renúncia do presidente, seguido de sua confirmação no cargo pelo Congresso boliviano após firmado um acordo
partidário sobre os pontos que
travavam seu governo, chegou a
ser qualificado de golpe de mestre
por especialistas. Isso por ter lhe
dado respaldo da classe média e
maioria no Congresso para impulsionar sua agenda política.
Para muitos, porém, o movimento garantiu a Mesa apenas
uma trégua mínima e de curta duração -como sinalizou o fracasso nas negociações com a oposição, que prometeu então incrementar "medidas de pressão".
"A tendência na Bolívia é que
haja uma maior escalada no conflito social e o que vemos hoje são
expressões desse processo", disse
à Folha o sociólogo boliviano
Juan Ramón Quintana.
O próprio presidente contribui
para esse acirramento do conflito,
por exemplo, ao tirar o debate político da esfera das instituições e
jogá-lo para a esfera das manifestações populares. "Mesa acumulou capital político para levar os
movimentos sociais contra parede. E o que ele conseguiu foi uma
radicalização", disse Quintana.
"Ele fez voltar o cenário político
de 2003, que derrotou Lozada. É o
mesmo repertório, o mesmo discurso e o mesmo tipo de acordo.
A diferença é que Mesa não está
disposto a usar a força."
O senador Joaquín Monasterio
Pinckert, do Movimento Nacionalista Revolucionário -o partido do ex-presidente- concorda.
"Parece que estamos vivendo os
mesmos momentos de angústia
que antecederam a queda de Lozada", escreveu no diário "El Deber". "E mais, a convulsão social é
de maior envergadura que a de
então, com a única diferença de
que ainda não há mortos."
Nesse processo, exerce um papel importante o líder dos cocaleiros e da oposição a Mesa, Evo Morales, ao lado de lideranças indígenas e sindicais. "São líderes que
recolhem as demandas de cidadania dos setores mais pobres e excluídos. Mas não articulam essas
demandas com as da classe média
e aí é que exercitam uma visão radical do mundo. Vêem o mundo a
partir de uma lógica de guerra",
disse Quintana.
Analistas também vêem com
ceticismo a possibilidade de que o
pacto firmado com os principais
partidos com representação partidária -o qual se negaram a
apoiar o Movimento ao Socialismo, de Morales, e o Movimento
Indígena Pachakuti, de Felipe
Quispe- garanta governabilidade mesmo no médio prazo. "É
alarmante a generalidade do pacto. Não é possível lê-lo sem chegar
à conclusão de que foi um salva-vidas de último momento", disse
Óscar Ortiz Antelo, gerente-geral
da Câmara de Indústria, Comércio, Serviço e Turismo de Santa
Cruz - departamento apontado
como motor econômico do país.
"As bases do pacto não podem
funcionar sem um acordo social.
E esse é um pacto formalizado,
mas sem conteúdo social e sem a
força da sociedade e de mobilização para que a agenda seja cumprida", avaliou Quintana. "Está
quase ferido de morte."
Para o sociólogo, a mídia boliviana também tem sua parcela de
culpa. "O papel dos meios na crise
precisa ser pensado. São vinculados ao poder econômico e são
conspiradores: conspiram não
apenas contra a estabilidade democrática, mas contra uma cultura de pacificação e de respeito à
pluralidade."
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