São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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"País precisava parar para refletir"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira-dama da Bolívia, Elvira Salinas de Mesa, diz que foi "absolutamente verdadeira" a percepção do Brasil de que o pedido de renúncia do presidente Carlos Mesa não era para valer, mas sim para dar um freio de arrumação e conquistar condições de governabilidade.
"Era a única forma de fazer o país parar, refletir e frear um caminho que poderia nos jogar a todos num desastre de enormes proporções", disse a primeira-dama à Folha na quinta-feira (10).
Psicóloga com mestrado em história andina e amazônica, Elvira, 52, deu a entrevista depois de participar em Brasília de um painel sobre a situação feminina na América Latina. Seguem os principais trechos.

Folha - Apesar da decisão do Congresso, as posições ainda são muito radicalizadas e o clima é tenso. A situação está sob controle na Bolívia?
Elvira -
Acho que sim. A ratificação do mandato era fundamental, decisiva, porque o presidente não tem um partido forte, não tem maioria no Congresso, sua bancada parlamentar não é suficiente para aprovar uma série de leis e reformas que signifiquem um avanço para a administração e uma agenda reformadora. É preciso entender, entretanto, que estamos atravessando um processo de transição muito complexo. Não se pode dizer que estamos vivendo um momento de tranqüilidade.

Folha - Como estão as negociações com Evo Morales?
Elvira -
Não se pode nomear apenas um líder, porque não há apenas uma organização monolítica, como havia há poucos anos atrás com a Central Operária Boliviana. Estão surgindo líderes e organizações sociais que têm um papel importante e devem ser ouvidos também.

Folha - Qual o papel do deputado Evo Morales nessa tentativa de pacto social?
Elvira -
Evo Morales é o chefe da oposição, é um líder fundamental, uma presença imprescindível num diálogo entre as forças políticas e na construção de um pacto social. Espero que as dificuldades sejam superadas e que, apesar das divergências e das idéias discordantes, todos possam discutir o que é melhor para o país.

Folha - Qual foi o papel da América Latina, especialmente do Brasil, durante a crise?
Elvira -
Houve uma solidariedade enorme, não só dos presidentes mas também de setores das sociedades vizinhas. Isso ajudou a criar uma consciência e uma simpatia da opinião pública desses países. O presidente Lula telefonou pessoalmente. Não é apenas uma questão de apoio e de solidariedade. O mais importante é a compreensão do processo, do que está ocorrendo no nosso país.

Folha - Na avaliação do governo brasileiro, o pedido de renúncia não era para valer, mas um instrumento para se fortalecer e conquistar condições de governabilidade. É fato?
Elvira -
Absolutamente verdadeiro. O presidente apresentou seu pedido de renúncia depois de constatar que era a única forma de fazer o país parar, refletir e frear um caminho que poderia nos jogar a todos num desastre de enormes proporções. Não era possível administrar o Estado naquelas condições. Chegamos a um ponto insustentável.

Folha - Foi um gesto para dentro e para fora?
Elvira -
Sim, com certeza. A população se mobilizou, as instituições se articularam, ficou claro que há uma grande maioria querendo um acordo nacional para fazer as reformas. Acho que foi essa mensagem que chegou à comunidade internacional.


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