São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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ECOS DO PASSADO

Alvos são "revolução laranja" na Ucrânia e "ingerência" dos EUA

Kremlin apóia grupo jovem "para defender a Rússia"

ANDREW OSBORN
DO "INDEPENDENT", EM MOSCOU

Uma nova e misteriosa organização de jovens que tem o apoio do Kremlin e o título provisório de Um de Nós foi criada para assegurar que a Rússia não caia vítima de uma "revolução de veludo" ao estilo da que ocorreu na Ucrânia em dezembro do ano passado.
O grupo, conhecido como Nashi, está sendo anunciado como vanguarda de um novo partido político que pode ocupar o espaço do Partido Rússia Unida, cuja utilidade como veículo do establishment vem sendo colocada em questão.
O Nashi vai bater de frente com uma aliança de grupos de jovens anti-Kremlin. A idéia é que "atinja a maturidade" bem antes das eleições presidenciais cruciais de 2008. Seus líderes, cujas identidades permanecem envoltas em segredo, teriam como objetivo "colocar 300 mil pessoas nas ruas para defender a Rússia" das ameaças da "governança externa", "revolução laranja" e "ingerência americana".

Chutado no chão
Um fato significativo é que consta que o grupo teria o apoio de Vladislav Surkov, vice-diretor da administração presidencial de Vladimir Putin e homem freqüentemente visto como detentor de enorme poder nos bastidores da política russa.
Um evento que revoltou os organizadores do novo grupo foi que o primeiro congresso do Nashi em Moscou, realizado no mês passado em meio a rígido sigilo, foi infiltrado pelo líder da ala jovem do partido liberal Yabloko, Ilya Yashin.
Yashin, que é estudante, afirma que foi expulso à força do congresso, teve seu rosto esfregado na neve e foi repetidas vezes chutado, enquanto estava deitado no chão. Ele contou ao "Independent" que planeja processar seus agressores e disse que o incidente mostra que o Kremlin vai começar a lançar mão da violência física contra seus adversários, na tentativa de intimidá-los.
Os organizadores do Nashi descreveram as alegações de Yashin como "engraçadas". Disseram que ele tentou entrar no congresso depois de já ter sido expulso e que foi apenas então que a tensão explodiu. Vasily Yakemenko, um dos principais ideólogos do grupo, afirmou ao "Independent": "Precisamos tentar compreender os métodos usados pelas pessoas que se descrevem como "democratas'".
Um grupo de jovens apoiado pelo Kremlin e que tem mais de 100 mil integrantes já existe e é encabeçado por Yakemenko. Ele próprio já trabalhou na administração do Kremlin. Mas esse grupo, chamado Caminhando Juntos, teve sua imagem maculada por uma campanha para "purificar a literatura russa", eliminando livros vistos como "nocivos". Também surgiram relatos de que estudantes teriam sido coagidos a ingressar nele por meio de sanções de suas universidades.
Esse grupo foi caricaturado recentemente pela criação, em São Petersburgo, de uma agremiação de jovens oposicionistas chamada Caminhando sem Putin. Este se uniu à ala liberal do Yabloko, e consta que certas figuras do Kremlin acreditam que a organização unificada estaria procurando seguir o modelo do grupo jovem sérvio Otpor e de sua versão ucraniana, o Pora.
Ambos exerceram papéis fundamentais na transferência de poder em seus respectivos países.
Indagado sobre o Nashi, Yakemenko se mostrou relutante em falar. Além de dizer que o objetivo da organização é "modernizar o país", tarefa que ele qualificou como "gigantesca", Yakemenko afirmou que ainda é um pouco cedo para falar sobre sua existência definitiva.
No entanto ele admitiu que sua formação está sendo "discutida ativamente". Na realidade, é segredo aberto o fato de que já foram promovidas reuniões, já foram produzidos folhetos -além de outros materiais promocionais- e que o recrutamento de participantes já começou.

Críticas
O nome da organização vem sendo ridicularizado por seus adversários, que apontam a semelhança fonética entre "nashismo" e "fascismo".
O jovem opositor Yashin disse que a aparência do grupo é sinistra. "Não excluo a possibilidade de choques (entre grupos jovens rivais) no futuro. Estamos prevendo tempos de tumulto. O principal objetivo dos nashistas é nos assustar. Eles vão formar verdadeiras brigadas de choque (...) que terão por objetivo garantir que as pessoas tenham medo de sair às ruas sob as bandeiras da oposição", disse.
Yashin afirma que, tendo isso em vista, a nova organização já recrutou skinheads. Ele também disse que seu financiamento viria de "oligarcas que têm medo de perder seus negócios".
Escrevendo no jornal russo "Moscow Times", o conhecido comentarista Masha Gessen concordou que o nome do grupo (Um de Nós) é alarmante. "Uma organização que abertamente divide seu país entre "nós" e "eles" é desprezível", afirmou.


Tradução de Clara Allain

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