São Paulo, sábado, 13 de abril de 2002

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GOLPE NA VENEZUELA

Para especialistas, Washington sente certo alívio com a deposição do presidente venezuelano, que tinha discurso antiamericano

Chávez provocou a crise, dizem os EUA

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O governo dos EUA acusou ontem o presidente deposto Hugo Chávez de provocar a crise venezuelana atual e, consequentemente, sua própria queda por ter ordenado a seus simpatizantes que atirassem em manifestantes.
"Os detalhes ainda não estão claros, mas sabemos que ações encorajadas pelo governo de Chávez provocaram a crise. De acordo com as informações que temos, o governo tentou suprimir um protesto pacífico da população", afirmou Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, que acrescentou que Washington espera agora a "normalização" da cena política venezuelana.
Segundo ele, a administração de Chávez ordenou a seus simpatizantes que atirassem em manifestantes desarmados durante um protesto realizado anteontem, deixando um saldo de ao menos 15 mortos. Fleischer elogiou a polícia e os militares venezuelanos, que se recusaram a acatar a ordem governamental e a endossar o "papel do governo nessas violações aos direitos humanos".
A administração americana expressou sua solidariedade para com a população venezuelana e disse esperar poder trabalhar ao lado das forças democráticas do país. Indagado sobre uma eventual tristeza dos EUA com a deposição de Chávez, Fleischer disse: "O presidente [George W. Bush" fica triste com a perda de vidas e espera que reine a tranquilidade e a democracia na Venezuela".
O quase explícito contentamento de Washington com a saída de Chávez não constitui uma surpresa, segundo analistas ouvidos pela Folha. "Oficialmente, para os EUA, o mais importante é que a Venezuela tenha um governo estável e democrático. E, visto que o de Chávez não se inseria nessa lógica, a mudança agradou aos americanos", analisou John Lombardi, pesquisador no Centro para Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida (EUA).
"Na verdade, a saída de Chávez foi bem-vista pela administração de Bush por duas razões. Primeiro, num momento tão turbulento da política global, ninguém quer ver um grande país sul-americano numa situação caótica, como a que se estava formando na Venezuela", apontou Sidney Weintraub, diretor do Projeto Américas do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais.
"Segundo, Chávez tinha irritado as autoridades americanas diversas vezes nos últimos tempos com sua retórica antiamericana. Se os militares venezuelanos não tentarem assumir o poder, Washington manterá seu apoio à transição", acrescentou o ex-subsecretário-adjunto de Estado dos EUA.
Com efeito, nos últimos anos, várias ações de Chávez provocaram mal-estar em Washington. Entre elas destacam-se sua aproximação com líderes de países contrários aos EUA, como os ditadores Fidel Castro, de Cuba, e Saddam Hussein, do Iraque, e seu suposto apoio à guerrilha marxista colombiana. Assim, Washington até evitou falar em golpe de Estado para não ter de impor sanções ao governo de transição.
Personagem controverso, Chávez prometeu uma "revolução" de esquerda quando foi eleito, em 1998, e cultivou uma imagem de defensor dos pobres e dos oprimidos, empregando um tom antiamericano. Todavia ele jamais deixou de exportar petróleo aos EUA. A Venezuela é o quarto produtor mundial de petróleo e o terceiro fornecedor dos americanos.

Risco de contágio
Para Weintraub, o risco de contágio não pode ser descartado. "Uma das possíveis consequências do golpe é o contágio. Afinal, no passado recente da América do Sul, há alguns líderes eleitos democraticamente que foram depostos por causa da ação de manifestantes -com certa dose de ajuda dos militares. Por exemplo, isso ocorreu no Equador e na Argentina. Trata-se de algo preocupante, pois a democracia ainda não está consolidada na região."
Contudo Weintraub admitiu que a probabilidade de contágio é mínima. "Não devemos esquecer que, nesses países, os políticos tinham perdido apoio popular e que a situação social era caótica. Ademais, os dois maiores Estados latino-americanos [Brasil e México" vivem um momento estável. Mas é claro que os venezuelanos que foram às ruas de Caracas tinham em mente os efeitos dos protestos na Argentina", disse.



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