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GOLPE NA VENEZUELA
Para especialistas, Washington sente certo alívio com a deposição do presidente venezuelano, que tinha discurso antiamericano
Chávez provocou a crise, dizem os EUA
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O governo dos EUA acusou ontem o presidente deposto Hugo
Chávez de provocar a crise venezuelana atual e, consequentemente, sua própria queda por ter ordenado a seus simpatizantes que
atirassem em manifestantes.
"Os detalhes ainda não estão
claros, mas sabemos que ações
encorajadas pelo governo de Chávez provocaram a crise. De acordo com as informações que temos, o governo tentou suprimir
um protesto pacífico da população", afirmou Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, que acrescentou que Washington espera
agora a "normalização" da cena
política venezuelana.
Segundo ele, a administração de
Chávez ordenou a seus simpatizantes que atirassem em manifestantes desarmados durante um
protesto realizado anteontem,
deixando um saldo de ao menos
15 mortos. Fleischer elogiou a polícia e os militares venezuelanos,
que se recusaram a acatar a ordem governamental e a endossar
o "papel do governo nessas violações aos direitos humanos".
A administração americana expressou sua solidariedade para
com a população venezuelana e
disse esperar poder trabalhar ao
lado das forças democráticas do
país. Indagado sobre uma eventual tristeza dos EUA com a deposição de Chávez, Fleischer disse:
"O presidente [George W. Bush"
fica triste com a perda de vidas e
espera que reine a tranquilidade e
a democracia na Venezuela".
O quase explícito contentamento de Washington com a saída de
Chávez não constitui uma surpresa, segundo analistas ouvidos pela
Folha. "Oficialmente, para os
EUA, o mais importante é que a
Venezuela tenha um governo estável e democrático. E, visto que o
de Chávez não se inseria nessa lógica, a mudança agradou aos
americanos", analisou John Lombardi, pesquisador no Centro para Estudos Latino-Americanos da
Universidade da Flórida (EUA).
"Na verdade, a saída de Chávez
foi bem-vista pela administração
de Bush por duas razões. Primeiro, num momento tão turbulento
da política global, ninguém quer
ver um grande país sul-americano numa situação caótica, como a
que se estava formando na Venezuela", apontou Sidney Weintraub, diretor do Projeto Américas do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais.
"Segundo, Chávez tinha irritado
as autoridades americanas diversas vezes nos últimos tempos com
sua retórica antiamericana. Se os
militares venezuelanos não tentarem assumir o poder, Washington manterá seu apoio à transição", acrescentou o ex-subsecretário-adjunto de Estado dos EUA.
Com efeito, nos últimos anos,
várias ações de Chávez provocaram mal-estar em Washington.
Entre elas destacam-se sua aproximação com líderes de países
contrários aos EUA, como os ditadores Fidel Castro, de Cuba, e
Saddam Hussein, do Iraque, e seu
suposto apoio à guerrilha marxista colombiana. Assim, Washington até evitou falar em golpe de
Estado para não ter de impor sanções ao governo de transição.
Personagem controverso, Chávez prometeu uma "revolução"
de esquerda quando foi eleito, em
1998, e cultivou uma imagem de
defensor dos pobres e dos oprimidos, empregando um tom antiamericano. Todavia ele jamais deixou de exportar petróleo aos
EUA. A Venezuela é o quarto produtor mundial de petróleo e o terceiro fornecedor dos americanos.
Risco de contágio
Para Weintraub, o risco de contágio não pode ser descartado.
"Uma das possíveis consequências do golpe é o contágio. Afinal,
no passado recente da América
do Sul, há alguns líderes eleitos
democraticamente que foram depostos por causa da ação de manifestantes -com certa dose de
ajuda dos militares. Por exemplo,
isso ocorreu no Equador e na Argentina. Trata-se de algo preocupante, pois a democracia ainda
não está consolidada na região."
Contudo Weintraub admitiu
que a probabilidade de contágio é
mínima. "Não devemos esquecer
que, nesses países, os políticos tinham perdido apoio popular e
que a situação social era caótica.
Ademais, os dois maiores Estados
latino-americanos [Brasil e México" vivem um momento estável.
Mas é claro que os venezuelanos
que foram às ruas de Caracas tinham em mente os efeitos dos
protestos na Argentina", disse.
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