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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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EUA e Iraque transformam desinformação em arma

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mohammed Said al Sahaf, ministro da Informação do deposto regime iraquiano, passará para a história da atual guerra como o autor de bravatas enunciadas sem o menor pudor. "Vamos cercá-los e trucidá-los", reiterou com relação às tropas norte-americanas que se aproximavam e em seguida se apoderaram de Bagdá.
Mas ele e seu governo não tiveram o monopólio das inverdades. A desinformação foi bastante utilizada como arma de guerra pela coalizão anglo-americana.
Os "altos funcionários do serviço de inteligência" dos EUA chegaram a enganar o "Washington Post", que, já no início das operações, em 21 de março, acreditou na versão de que Saddam Hussein fora gravemente ferido ou possivelmente morto, em Bagdá.
É provável que tal mentira fizesse parte do arsenal psicológico destinado bem mais a a enfraquecer o inimigo do que a confundir a mídia ocidental. Se acéfala, a ditadura iraquiana se desintegraria sem maior esforço militar.
O fato é que Donald Rumsfeld (Defesa) e Ari Fleischer (Casa Branca) e mais ministros ingleses multiplicaram declarações em que colocavam em dúvida a identidade real do Saddam que aparecia na TV iraquiana encabeçando reuniões com os dois filhos e com assessores fardados.
A dúvida persistiu até que o ditador mencionou diante das câmaras a queda de um helicóptero norte-americano que ocorreu de verdade. Saddam havia sobrevivido à primeira leva de destruição. E caso surgisse em transmissão ao vivo, a coalizão com certeza iria monitorar sua localização e acabaria de vez com ele.
A suposta localização de armas químicas integrou um segundo grupo de versões jamais confirmadas. Havia por parte da mídia norte-americana, como a rede de TV Fox News, o axioma segundo o qual a guerra era patriótica e embutida de verdade. Se Bush a desencadeou para "desarmar" Saddam, era impossível que inexistissem arsenais de destruição em massa. Que, aliás, não foram até agora localizados.
Ocorreram quanto ao assunto seis "alarmes falsos". Os militares da coalizão cometeram a maior gafe em se tratando de uma suposta fábrica de ogivas químicas a 160 km ao sul de Bagdá. O alto comando norte-americano disse no dia seguinte não ter como confirmar a informação. Mas a cada nova "revelação" a mídia patriótica festejava de forma acrítica.
Ocorreu também um descompasso entre as conquistas territoriais verdadeiras e a forma antecipada com que elas eram anunciadas. Basra teria primeiramente caído 48 horas depois que tropas britânicas acamparam em seus subúrbios. Segundo os informantes oficiais, Nassiriah "caiu" dez dias antes que os norte-americanos efetivamente a controlassem.
Por malícia ou erro de interpretação, os informantes militares diziam acreditar que, em cada cidade sitiada, a população local se revoltaria e deporia os representantes locais de Saddam.
A maior gafe foi cometida pelos britânicos em Basra. Afirmaram se tratar de rebelião um distúrbio ocorrido em 25 de maio, porque água e alimentos não estavam sendo propriamente distribuídos. Só a 6 de abril é que o Reino Unido conquistou a cidade.
É impossível saber até que ponto a coalizão exagerou no poderio do inimigo como forma de, em seguida, triunfar com a relativa facilidade de sua derrota. Foram funcionários norte-americanos e britânicos que convenceram a mídia de que a guerra poderia ser longa, em razão do poder de fogo e da motivação política da Guarda Republicana. Isso não ocorreu.
Foi também irrealista e exagerada a previsão de que ocorreria uma "guerrilha urbana", na qual partidários de Saddam se misturariam a 4.000 voluntários de outros países árabes que defenderiam Bagdá até a morte.
Atentados de homens-bombas ocorreram com uma frequência irrisória. Não se transformaram em instrumento de resistência disseminado por todo o território iraquiano.


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