São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 2011

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ANÁLISE

Franceses utilizam a lei para reforçar a identidade de um Estado "esvaziado"

JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A questão é para alguns relativamente simples. A França é uma República, em que prevalece o princípio da cidadania, pelo qual todos são iguais diante da lei, em termos políticos, tributários ou até mesmo de vestimenta.
Foi assim que, em 2004, começou a vigorar uma lei redigida a partir das conclusões da comissão Bernard Stasi (um deputado conservador), que proibia estudantes das escolas públicas secundárias de cobrir a cabeça.
A proibição valia tanto para os bonés de beisebol quanto para os turbantes que indicavam a fé muçulmana.
A lei foi contestada, algumas vezes pelo Conselho Constitucional, espécie de Suprema Corte da França.
Mas eis que vigora agora norma que proíbe a mulher de cobrir todo o rosto.
Do ponto de vista do governo e de boa parte da oposição de esquerda, o princípio a ser consagrado é o da laicidade do Estado.
Há uma lei sobre isso, em vigor desde 1905. Ao não diferenciar os cidadãos pela religião que professam, a lei proíbe, por exemplo, que os censos demográficos indaguem sobre a fé.
É por isso que não se sabe, ao certo, quantos são muçulmanos entre os 65 milhões de habitantes. Pesquisa do instituto CSA diz que eles são 4%. Outro instituto, o Ifop, dá 3%. Um site do governo americano diz que eles são de 5% a 10%. Ou seja, podem existir por lá 2 milhões ou 6,5 milhões de muçulmanos.
O fato é que essa comunidade descende de imigrantes argelinos ou marroquinos. Que adotaram estilo de vida "republicano".
Nada os diferencia, em termos de vestuário, de um francês descendente dos gauleses. Assim, a possibilidade de prender mulheres que saem às ruas com o rosto completamente coberto é coisa de minúscula minoria de um segmento minoritário.
Mas o critério não é estatístico. No Reino Unido, onde a noção de liberdades civis é mais ampla que na França, seria inconcebível punir estudantes ou mulheres adultas paquistanesas.
Os franceses batem numa das únicas teclas que restaram para fazer prevalecer a autoridade de um Estado esvaziado pela União Europeia e pelas privatizações, que acabaram com o cidadão e instalaram no lugar dele o cliente (nas telecomunicações, por exemplo).
O presidente conservador Nicolas Sarkozy comprou uma boa briga. O presidente socialista François Mitterrand (1981-1995) havia comprado outra, a da estatização das escolas religiosas. Mas precisou recuar.


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