São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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MULTIMÍDIA

Salon - de San Francisco

Anúncio glamouriza remédio anti-Aids

DARYL LINDSEY

Nos abrigos de ônibus, outdoors, estações de metrô e outros espaços públicos de Nova York, San Francisco, Los Angeles e Miami, um acréscimo relativamente novo à paisagem urbana vem sendo alvo de fortes críticas. São anúncios de medicamentos destinados a atacar o vírus HIV, vendidos com receita médica.
Os anúncios muitas vezes trazem modelos bonitos e de aparência saudável, com corpos musculosos e rostos de traços esculturais, refletindo os ideais de beleza adorados nos redutos gays, de San Francisco a Nova York.
Embora seja verdade que cada vez mais soropositivos estejam reagindo bem ao tratamento com essas drogas anti-retrovirais, a FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos) diz que os anúncios dirigidos diretamente aos consumidores estão induzindo o público a ter idéias equivocadas quanto à realidade da Aids.
No último 27 de abril, a FDA deu prazo de 90 dias às empresas farmacêuticas para que mudem os anúncios.
Numa carta formulada sem meias palavras, o chefe da divisão de marketing da FDA, Thomas Abrams, determinou que as companhias farmacêuticas terão de criar anúncios "mais representativos" da realidade da doença. Na carta, Abrams citou especificamente os anúncios que trazem "indivíduos robustos que realizam atividades extenuantes" e "indivíduos de aparência saudável".
A agência afirmou: "Promover medicamentos anti-HIV junto aos consumidores sem destacar as limitações dos usuários dos medicamentos ou usando imagens que não sejam representativas da maioria dos contaminados com o HIV constitui uma violação da Lei Federal de Alimentos, Drogas e Cosméticos".

Porte atlético
Entre os anúncios mais criticados figuram os dos medicamentos Crixivan e Combivir. O anúncio do Crixivan mostra três homens e uma mulher de porte atlético que acabam de escalar uma montanha, proeza atlética que muitas pessoas totalmente saudáveis seriam incapazes de realizar. Enquanto isso, o anúncio do Combivir mostra um afro-americano musculoso e atraente com uma toalha no ombro, dando a entender que acaba de malhar. O texto do anúncio diz que ele é a "prova viva" do poder do Combivir.
Os avanços nos tratamentos já proporcionaram muitas boas notícias aos contaminados com o HIV, que causa a Aids. Mas novos problemas estão aparecendo.
Médicos e analistas da saúde pública dos Estados Unidos dizem que existe uma apatia crescente em relação à prevenção, apatia esta que estaria contribuindo para o atual aumento nos índices de soropositivos.

Casos aumentam
Em San Francisco, o índice anual de contaminação com o HIV dobrou desde 1997, subindo de 1,04% para 2,2% dos estimados 34 mil homens homossexuais e bissexuais não contaminados da cidade. E o aumento atinge os homossexuais de maneira desproporcional.
Um estudo preliminar conduzido há pouco pelo Departamento de Saúde Pública da cidade constatou que 62% dos entrevistados homens, tanto homossexuais quanto heterossexuais, diziam acreditar que a publicidade de medicamentos contra o HIV conduz ao sexo desprotegido.
Os críticos observam, no entanto, que o estudo perguntou às pessoas se elas acham que os anúncios afetam sua decisão de fazer sexo desprotegido, e não se realmente a afetam. Em outras palavras, o estudo não apontou um vínculo direto entre os anúncios e a contaminação por HIV. Mesmo assim, forneceu munição para os ativistas anti-Aids.
A polêmica em torno dos comerciais acontece num momento em que a FDA está cada vez mais atenta à publicidade de remédios voltada diretamente aos consumidores. Desde que a agência afrouxou suas normas a esse respeito, em 1997, o número de anúncios desse tipo aumentou muito.

Imagens etéreas
De acordo com grupos ligados ao setor, a indústria farmacêutica norte-americana gasta mais de US$ 2,6 bilhões por ano em publicidade voltada diretamente ao consumidor.
Em alguns dos exemplos mais notados, o ex-senador Bob Dole serviu de porta-voz do Viagra. E anúncios de anti-histamínicos como Allegra e Claritin mostram imagens etéreas de pessoas alérgicas brincando, despreocupadas, em campos repletos de pólen -cenas que, na ausência dos remédios, seriam seguidas por uma corrida ao pronto-socorro.
Mas, à diferença dos anúncios de Viagra e Claritin, que mostram imagens de perspectivas muito reais -septuagenários tendo ereções ou pessoas alérgicas brincando no feno sem o medo de sofrerem febre do feno-, os anúncios de remédios anti-HIV retratam um estilo de vida que pouquíssimas pessoas contaminadas pelo HIV podem desfrutar. Eles não fazem menção aos problemas hepáticos e renais potencialmente fatais, à diarréia, à náusea e a outros efeitos colaterais dos tratamentos anti-retrovirais.
Para os críticos, a imagem do HIV divulgada por esses anúncios induz a erros perigosos. Ademais, as quantias gastas com a publicidade dos medicamentos suscitam o ultraje de algumas pessoas. Um estudo conduzido em 1999 pelo grupo de lobby Aids Action concluiu que as empresas farmacêuticas gastam quase três vezes mais em publicidade e administração do que gastam com a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos contra a Aids -respectivamente US$ 68,5 bilhões e US$ 24,5 bilhões por ano.

Estilo de vida
"A idéia perpetuada por esses anúncios é que as drogas contra a Aids não passam de uma medicação "de estilo de vida" qualquer, como o anti-histamínico Claritin ou os remédios Rogaine e Propecia (que combatem a calvície)", diz Alexis Schuler, da Aids Action. "Todas essas coisas você vê cada vez mais com a publicidade voltada diretamente ao consumidor. Há uma grande quantidade de dinheiro em jogo, e eu posso entender por que as empresas fazem isso. Mas elas criam a percepção de que é possível administrar a Aids, tomando um comprimido. Isso é falso, não é a realidade. Os anúncios fomentam a idéia de que não é preciso se preocupar com a Aids, que ela não vai causar impacto em sua vida. Em última análise, isso leva ao descuido com o sexo seguro", afirma Schuler.


Tradução de Clara Allain



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