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MULTIMÍDIA
Salon - de San Francisco
Anúncio glamouriza remédio anti-Aids
DARYL LINDSEY
Nos abrigos de ônibus, outdoors, estações de metrô e outros
espaços públicos de Nova York,
San Francisco, Los Angeles e Miami, um acréscimo relativamente
novo à paisagem urbana vem sendo alvo de fortes críticas. São
anúncios de medicamentos destinados a atacar o vírus HIV, vendidos com receita médica.
Os anúncios muitas vezes trazem modelos bonitos e de aparência saudável, com corpos musculosos e rostos de traços esculturais, refletindo os ideais de beleza
adorados nos redutos gays, de
San Francisco a Nova York.
Embora seja verdade que cada
vez mais soropositivos estejam
reagindo bem ao tratamento com
essas drogas anti-retrovirais, a
FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de
medicamentos e alimentos dos
Estados Unidos) diz que os anúncios dirigidos diretamente aos
consumidores estão induzindo o
público a ter idéias equivocadas
quanto à realidade da Aids.
No último 27 de abril, a FDA
deu prazo de 90 dias às empresas
farmacêuticas para que mudem
os anúncios.
Numa carta formulada sem
meias palavras, o chefe da divisão
de marketing da FDA, Thomas
Abrams, determinou que as companhias farmacêuticas terão de
criar anúncios "mais representativos" da realidade da doença. Na
carta, Abrams citou especificamente os anúncios que trazem
"indivíduos robustos que realizam atividades extenuantes" e
"indivíduos de aparência saudável".
A agência afirmou: "Promover
medicamentos anti-HIV junto
aos consumidores sem destacar
as limitações dos usuários dos
medicamentos ou usando imagens que não sejam representativas da maioria dos contaminados
com o HIV constitui uma violação da Lei Federal de Alimentos,
Drogas e Cosméticos".
Porte atlético
Entre os anúncios mais criticados figuram os dos medicamentos Crixivan e Combivir. O anúncio do Crixivan mostra três homens e uma mulher de porte atlético que acabam de escalar uma
montanha, proeza atlética que
muitas pessoas totalmente saudáveis seriam incapazes de realizar.
Enquanto isso, o anúncio do
Combivir mostra um afro-americano musculoso e atraente com
uma toalha no ombro, dando a
entender que acaba de malhar. O
texto do anúncio diz que ele é a
"prova viva" do poder do Combivir.
Os avanços nos tratamentos já
proporcionaram muitas boas notícias aos contaminados com o
HIV, que causa a Aids. Mas novos
problemas estão aparecendo.
Médicos e analistas da saúde
pública dos Estados Unidos dizem que existe uma apatia crescente em relação à prevenção,
apatia esta que estaria contribuindo para o atual aumento nos índices de soropositivos.
Casos aumentam
Em San Francisco, o índice
anual de contaminação com o
HIV dobrou desde 1997, subindo
de 1,04% para 2,2% dos estimados
34 mil homens homossexuais e
bissexuais não contaminados da
cidade. E o aumento atinge os homossexuais de maneira desproporcional.
Um estudo preliminar conduzido há pouco pelo Departamento
de Saúde Pública da cidade constatou que 62% dos entrevistados
homens, tanto homossexuais
quanto heterossexuais, diziam
acreditar que a publicidade de
medicamentos contra o HIV conduz ao sexo desprotegido.
Os críticos observam, no entanto, que o estudo perguntou às pessoas se elas acham que os anúncios afetam sua decisão de fazer
sexo desprotegido, e não se realmente a afetam. Em outras palavras, o estudo não apontou um
vínculo direto entre os anúncios e
a contaminação por HIV. Mesmo
assim, forneceu munição para os
ativistas anti-Aids.
A polêmica em torno dos comerciais acontece num momento
em que a FDA está cada vez mais
atenta à publicidade de remédios
voltada diretamente aos consumidores. Desde que a agência
afrouxou suas normas a esse respeito, em 1997, o número de
anúncios desse tipo aumentou
muito.
Imagens etéreas
De acordo com grupos ligados
ao setor, a indústria farmacêutica
norte-americana gasta mais de
US$ 2,6 bilhões por ano em publicidade voltada diretamente ao
consumidor.
Em alguns dos exemplos mais
notados, o ex-senador Bob Dole
serviu de porta-voz do Viagra. E
anúncios de anti-histamínicos como Allegra e Claritin mostram
imagens etéreas de pessoas alérgicas brincando, despreocupadas,
em campos repletos de pólen
-cenas que, na ausência dos remédios, seriam seguidas por uma
corrida ao pronto-socorro.
Mas, à diferença dos anúncios
de Viagra e Claritin, que mostram
imagens de perspectivas muito
reais -septuagenários tendo ereções ou pessoas alérgicas brincando no feno sem o medo de sofrerem febre do feno-, os anúncios
de remédios anti-HIV retratam
um estilo de vida que pouquíssimas pessoas contaminadas pelo
HIV podem desfrutar. Eles não
fazem menção aos problemas hepáticos e renais potencialmente
fatais, à diarréia, à náusea e a outros efeitos colaterais dos tratamentos anti-retrovirais.
Para os críticos, a imagem do
HIV divulgada por esses anúncios
induz a erros perigosos. Ademais,
as quantias gastas com a publicidade dos medicamentos suscitam
o ultraje de algumas pessoas. Um
estudo conduzido em 1999 pelo
grupo de lobby Aids Action concluiu que as empresas farmacêuticas gastam quase três vezes mais
em publicidade e administração
do que gastam com a pesquisa e o
desenvolvimento de medicamentos contra a Aids -respectivamente US$ 68,5 bilhões e US$ 24,5
bilhões por ano.
Estilo de vida
"A idéia perpetuada por esses
anúncios é que as drogas contra a
Aids não passam de uma medicação "de estilo de vida" qualquer,
como o anti-histamínico Claritin
ou os remédios Rogaine e Propecia (que combatem a calvície)",
diz Alexis Schuler, da Aids Action.
"Todas essas coisas você vê cada
vez mais com a publicidade voltada diretamente ao consumidor.
Há uma grande quantidade de dinheiro em jogo, e eu posso entender por que as empresas fazem isso. Mas elas criam a percepção de
que é possível administrar a Aids,
tomando um comprimido. Isso é
falso, não é a realidade. Os anúncios fomentam a idéia de que não
é preciso se preocupar com a
Aids, que ela não vai causar impacto em sua vida. Em última
análise, isso leva ao descuido com
o sexo seguro", afirma Schuler.
Tradução de Clara Allain
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