São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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CHINA

Total de homens já supera o de mulheres em 26,6 milhões; analistas, inclusive os ligados ao governo, temem crise social explosiva

Falta de mulheres preocupa chineses

China Photo/Reuters
Funcionário limnpa propaganda de cosméticos em Hangzhou


CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A política de um só filho adotada na China no início dos anos 80, aliada à histórica predileção por bebês do sexo masculino, teve um efeito colateral não previsto pelas autoridades do país: o número de homens já supera o de mulheres em 26,6 milhões, e especialistas prevêem que, até 2020, haverá entre 40 milhões e 60 milhões de chineses que não poderão se casar por falta de parceiras.
O cenário é considerado explosivo, e há pouco o que fazer para evitá-lo. "Tal desproporção entre gêneros é uma ameaça ao crescimento saudável, harmonioso e sustentável da população do país e vai desencadear crimes e problemas sociais, como casamento por dinheiro, seqüestro de mulheres e prostituição", disse Li Weixiong, um dos responsáveis do governo pela questão populacional, na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.
A análise do censo mostra que o desequilíbrio na população se acentuou a partir dos anos 80, com a política de um só filho, adotada pelo governo para controlar o número de habitantes do país, o maior do mundo. Dos 26,6 milhões de chineses a mais que chinesas, 23,5 milhões se concentram na faixa etária de 0 a 19 anos.
Enquanto na média mundial nascem de 105 a 107 bebês homens para cada grupo de 100 bebês mulheres, na China essa proporção é de 117 para 100. Nas Províncias do Cantão e Hainan, no sul, a proporção é de 130 para 100, e, em alguns lugares da zona rural o desequilíbrio é de 140 para 100.
Com acesso a exames de ultra-som a baixo custo, muitas mães decidem abortar os fetos femininos assim que descobrem o sexo do bebê. A política de um só filho tem um elemento de flexibilidade que deveria evitar esse fenômeno, mas ele parece não funcionar. Os casais da zona rural que têm um primeiro filho do sexo feminino podem ter outro quatro anos depois, possibilidade que não existe se o primogênito é homem.
Wang Yi, vice-diretor do Instituto da População da Academia de Ciências Sociais da China, afirma que a predileção rural por homens está relacionada à forma ainda arcaica de produção, que privilegia a força física. Além disso, a filha abandona a família para casar, e o homem é visto como garantia de sobrevivência familiar.

"Depende da sorte"
Guo Jinxi, 40, mudou-se há quatro meses da Província de Sichuan (oeste) para Pequim em busca de trabalho na construção civil. Segundo ele, 1 em cada 10 homens não encontra mulher para casar em sua terra natal. "Não tem o que fazer. Depende da sorte", diz Jinxi, que se considera um "sortudo", já que se casou aos 23 anos.
Solteiro e morador da capital, o guarda Wan Qin, 21, parece mais preocupado. Wan tem uma namorada, mas ela está na Europa. "Não sei se vamos continuar juntos depois. Alguns dos meus amigos não têm namorada. Neste momento, como existem mais homens que mulheres, é mais difícil encontrar alguém."
O desequilíbrio populacional alimenta a pressão para que o governo altere a política de um só filho e permita que as famílias tenham pelo menos dois bebês. Xie Li Hua, editora-chefe de um jornal voltado para as mulheres da zona rural, defende a mudança. A posição é idêntica à de Zhao Li Rong, dirigente da Federação das Mulheres da China, órgão ligado ao Partido Comunista.
Wang, da Academia de Ciências Sociais, diz não acreditar que alterações sejam realizadas nos próximos quatro ou cinco anos. "É um processo que leva tempo."


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