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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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AMÉRICA LATINA

Número de mulheres presas cresceu 90% entre 1999 e 2002; especialista vê desemprego e desigualdade como causas

Cresce delinquência feminina na Argentina

ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

Segunda-feira. Duzentos policiais cercam uma casa simples localizada num bairro pobre da Grande Buenos Aires. Estão prontos para prender a líder de uma quadrilha que articulou pelo menos dez sequestros na cidade. Cumprem a missão. Silvina é levada para uma prisão feminina. Poucas horas depois, é transferida para um instituto de menores. Tem apenas 15 anos e é considerada uma das criminosas mais perigosas da Argentina.
"As pessoas me acham um monstro. Só queria ter um filho e dar aulas de natação", desabafa. No caso da adolescente, a fatalidade levou às drogas. Aos dez anos perdeu o pai. Aos 11, a mãe. Com 12 anos praticou o primeiro roubo. No último sequestro, recebeu US$ 10 mil. "Gosto de roupa transada e tênis de marca. Esse [aponta para o pé] custou 500 pesos (US$ 180)", afirma.
Silvina é apenas mais uma das milhares de jovens e mulheres argentinas que enveredaram pelo crime nos últimos anos. Pesquisa do Ministério da Justiça realizada no ano passado mostrou que, desde 1999, a delinquência juvenil cresceu 140%. E a participação de mulheres em crimes como sequestro, roubo e tráfico também, apesar de ainda ser menor que a dos homens.
Entre 1999 e 2002 -anos de recessão econômica- a população carcerária feminina cresceu 90%. As presas são cada vez mais jovens. A detenção de pessoas entre 16 e 20 anos aumentou 63% nesses quatro anos. Se a comparação for feita somente entre os jovens de 16 e 17 anos, o salto foi de 800%.
"Os piores efeitos das crises recaem sobre as mulheres. Isso se traduz em um notório aumento da delinquência feminina, conduzida por meninas muito jovens, que carregam uma série de frustrações e que não têm um horizonte positivo pela frente", afirma a ex-ministra do Desenvolvimento Social da Argentina Graciela Fernández Meijide.
No início deste ano, a economia Argentina começou a dar sinais de recuperação após quatro anos consecutivos de recessão. De 1999 a 2002, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu quase 20%. A fome atinge 1,4 milhão de famílias, segundo estudo do Banco Mundial, e mais de 50% dos 36 milhões de habitantes vivem abaixo da linha da pobreza.
Soma-se a isso a falta de trabalho. Segundo dados do Indec, instituto de estatísticas do governo, 17,9% da população está desempregada. Outros 20% estão subempregados.
"O vínculo da distribuição de renda com a taxa de delitos é cada vez mais alto", afirma o professor da UBA (Universidade de Buenos Aires) Eduardo Pompei. Segundo ele, o desemprego e a desigualdade social incidem diretamente sobre a violência.

Estudo
Um estudo realizado pela socióloga Silvia Severini sobre a vida da população carcerária feminina na Argentina defende que a maior participação da mulher no mundo do crime também pode ter razões sociais. O trabalho foi realizado para o Conselho Nacional da Mulher, na Argentina, e afirma que a liberdade conquistada pela mulher após a década de 70 abriu maiores possibilidades para a prática de "transgressões".
"Conforme a mulher vai se desprendendo dos controles sociais informais que moldaram suas condutas durante anos, ela, de certa maneira, adota comportamentos que, anteriormente, correspondiam apenas aos homens", afirma a pesquisadora. "Também pode-se dizer que a mulher saiu do cenário doméstico para atuar em áreas antes nunca pensadas, entre elas o crime".
A pesquisadora, no entanto, admite que não existe até hoje uma pesquisa que trace de forma fidedigna as razões psicológicas e sociais que levam a mulher à criminalidade. "Existem diversas ópticas e a maioria ainda não tem uma resposta concreta", diz. "Não há como saber até que ponto as mudanças sociais podem ter influenciado esse comportamento", afirma.
"O delito é uma forma de transgressão social, de combate ao controle. As mulheres, por muitos anos, foram controladas e educadas para não romper limites. Isso mudou", diz.


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