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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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ARTIGO

O silencioso trabalho pela paz

MOACYR SCLIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Construir a paz no Oriente Médio lembra o mito de Sísifo, aquele que afanosamente levava uma pedra montanha acima apenas para vê-la rolar encosta baixo no momento seguinte. Mas o teimoso Sísifo acreditava que um dia fosse triunfar em sua tarefa e, neste sentido, tem seguidores naquela que é decerto a mais conturbada região do mundo.
Iniciativas de paz são coisas das quais se fala pouco, pois, de maneira geral, conflito fala mais alto que consenso, guerra fala mais alto do que paz. Pouco se menciona as iniciativas feitas para abrir canais de comunicação entre os beligerantes. Tais iniciativas são, contudo, numerosas e levadas a cabo em vários locais.
Exemplo: o Hospital Hadassah, de Jerusalém. No conhecido centro de excelência médica, profissionais israelenses e palestinos trabalham lado a lado, muitas vezes tratando de salvar vítimas de atentados terroristas e também palestinos feridos, como foi o caso de Samer Qawasbeh, baleado no abdome durante o sítio israelense à Igreja da Natividade, em Belém. Com o ferimento gangrenado e correndo risco de morte, Samer foi operado várias vezes e salvou-se, regressando à casa de sua família em Belém.
Também são importantes as experiências de convivência. Destas é um exemplo a aldeia de Neve Shalom, onde, há 30 anos, famílias israelenses e palestinas vivem em comum. A Universidade de Tel Aviv leva a cabo, em Jaffa, diversos programas dirigidos a árabes e judeus: educação de mulheres, treinamento na administração de conflitos, teatro para crianças e uma escolinha de futebol, esporte tão popular em Israel quanto o é no Brasil.
O futebol também desempenha um papel importante nas atividades do Centro Árabe-Judaico para a Paz, fundado em 1949 no Kibutz Guivat Haviva. Ao lado do Maccabi, clube de futebol de Tel Aviv, o centro criou uma escola para o desenvolvimento do esporte entre adolescentes palestinos e israelenses: o programa Gols para a Paz. A convivência prossegue fora do estádio; os jovens são estimulados a se visitarem mutuamente. Convivência também é o objetivo do programa Crianças Ensinam a Crianças, um dos vários desenvolvidos pelo centro, que é dirigido por Mohammad Darawshe, árabe-israelense cuja família vive há 27 gerações na aldeia de Iksal, no norte de Israel.
Diplomado numa universidade israelense, Darawshe é um defensor da causa da paz, apesar do difícil clima gerado pela Intifada, pelo terrorismo, pela repressão militar israelense e pela queda do investimento governamental nas regiões povoadas por árabes.
Recentemente Darawshe assumiu a direção de um novo programa, o Uma Só Voz, apoiado por um grande número de organizações: o Congresso Judaico Mundial, o Instituto Árabe-Americano, além de celebridades como o ator Brad Pitt e sua mulher, Jennifer Aniston. Líderes israelenses e palestinos também participam, entre eles o xeque Taisir Tamini e Yasser Abbas, filho do primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas (mais conhecido como Abu Mazen).
"O objetivo desse projeto é dar voz à maioria silenciosa que, em ambos os lados, quer a paz", diz Darawshe. A comunicação entre palestinos e israelenses será facilitada pela distribuição de centenas de terminais de computadores a centros comunitários, ONGs e escolas, através dos quais serão debatidas questões como o estabelecimento de fronteiras seguras, a situação dos refugiados palestinos e o futuro de Jerusalém.
O estrondo das explosões é o som que mais caracteriza o Oriente Médio de hoje. Mas, nos raros intervalos de silêncio, é possível ouvir o tênue sussurro da paz. E isso representa, no mínimo, uma esperança.


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