São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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Medida "é remédio para a febre, não para a doença", diz analista

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A decretação do estado de comoção interna não servirá como instrumento para conter o conflito interno na Colômbia, na avaliação de Camilo González Posso, presidente do Indepaz (Instituto para o Desenvolvimento e para a Paz) e ministro da Saúde no governo César Gaviria (1990-1994).
Para ele, o governo buscou uma forma de criar um novo imposto para financiar sua estratégia de guerra sem ter de depender do Congresso para isso.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ontem por González à Folha, por telefone, de Bogotá.

Folha - A decretação do estado de comoção interna se justifica?
Camilo González Posso -
O governo tem sua justificativa dentro de sua política de buscar financiamento para a guerra, por causa da escalada do conflito, dos ataques nas cidades e das ameaças da guerrilha aos prefeitos e governadores. Mas acho que o remédio não serve para curar o doente. É como um remédio para a febre, não para a doença de fundo.
Acho que o governo tem um propósito principalmente tributário, para permitir a criação de uma nova taxa por decreto. O estado de exceção pode durar um dia, mas os decretos e as normas emitidas durante sua vigência se tornam permanentes.

Folha - O exagero no uso do estado de sítio levou à sua restrição pela Constituição de 1991. O repúdio da população ao estado de exceção desapareceu?
González -
Há hoje um estado de ânimo entre a população muito favorável às medidas de força. Isso é resultado do fracasso nas negociações de paz no passado, mas também é uma ilusão que vai levar a novas frustrações.

Folha - A intensificação do conflito não justifica a medida?
González -
A dinâmica da guerra é assim. Cada ação dura de um lado justifica uma ação mais dura do outro. São posturas coerentes dentro dessa lógica, mas já levamos 40 anos nisso. A Colômbia viveu 30 anos em estado de sítio quase permanente. Poderíamos viver agora mais 40 anos em exceção, e cada vez vai haver mais barbárie para justificar a guerra. O que pode mudar isso é só uma estratégia de solução negociada.

Folha - Uribe acenou com a possibilidade de um processo de paz nos últimos dias, pedindo inclusive uma mediação do diálogo por parte das Nações Unidas. O sr. acredita que haja vontade para negociar?
González -
Falam sobre uma solução negociada, mas colocam ao mesmo tempo obstáculos. Fazer exigências como o cessar-fogo unilateral é como exigir uma rendição. Ignoram o que pode ser um processo viável. Tem de haver concessões mútuas para se chegar ao fim das hostilidades. É uma mensagem confusa, que aparece como linguagem de paz, mas que coloca as condições de tal forma que torna as coisas difíceis. O mesmo fazem as Farc quando exigem para conversar a desmilitarização de um território que é quatro vezes o tamanho da zona desmilitarizada vigente durante o processo de paz no governo Andrés Pastrana (1998-2002). Todos falam de paz, mas estão na verdade desenvolvendo a guerra.


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