São Paulo, domingo, 13 de setembro de 1998

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TRAIÇÃO?
Presidente renega modelo dos "baby- boomers'
Clinton abandona o ideal de sua geração

de Washington

Bill Clinton, 52, é o primeiro presidente dos EUA da geração "baby-boomer", os nascidos entre o fim da Segunda Guerra Mundial (agosto de 1945) e 1960.
Terá sido coincidência que ele tenha se tornado o primeiro presidente que teve seu mandato ameaçado por um escândalo sexual?
Clinton foi uma pessoa típica de sua geração. Ele experimentou drogas, flertou com o socialismo, usou cabelo e barba compridos, combateu a guerra, desprezou o poder, desafiou a autoridade, defendeu a igualdade entre os sexos, estendeu a adolescência por quanto pôde, casou e teve filhos mais tarde que seus pais, incentivou que sua mulher tivesse uma carreira profissional independente, admirou o conceito do amor livre.
Na medida em que ele se integrou ao establishment, no entanto, como muitos de sua geração, Clinton abandonou os ideais de juventude. O jovem que trabalhou por George McGovern para acabar com as intervenções militares dos EUA em outros países mandou tropas para o Haiti, ordenou combates na Somália e lançou mísseis sobre Afeganistão, Sudão e Iraque.
Candidato à Presidência e confrontado com a questão das drogas, em vez de admitir que elas foram, como para tantos de sua idade, uma forma de crescimento pessoal, um rito de passagem, preferiu primeiro mentir ("nunca feri as leis do meu país") e depois se prender a legalismos para admitir o que fez sem confessar que mentira ("fumei, mas não traguei").
No caso Lewinsky, a mesma contradição entre o jovem Clinton e o Clinton do establishment volta a aparecer, assim como seu contorcionismo ao lidar com a verdade.
Poderia ser arriscado, mas talvez desse certo, se, em vez de ter negado por sete meses o relacionamento com Lewinsky e depois o chamar de "pecado", Clinton o tivesse assumido e, mais, defendido.
Afinal, há 76 milhões de "baby-boomers" nos EUA, o mais influente grupo etário do país. Quase todos poderiam ter entendido o raciocínio de que um caso extraconjugal, se movido por genuíno amor e sendo do conhecimento do parceiro, não tem nada de errado. Ao contrário, pode até ser algo bonito, admirável.
O escritor Oscar Wilde tentou algo parecido quando foi julgado por homossexualismo, 103 anos atrás, na Inglaterra vitoriana. Ali, a estratégia era suicida. Mas, pelo menos, lhe garantiu respeito póstumo. No final do século 20, não seria tão absurdo defender a relação de amor entre um homem de meia-idade com uma moça de 21 anos, produto, como ele, de família disfuncional, em busca de orientação, carinho, segurança.
Imagine se Clinton, no auge da popularidade, em janeiro deste ano, tivesse ido para a TV e dito: "É verdade. Mantive durante 18 meses uma relação com essa moça, que precisava de uma pessoa como eu para ajudá-la. Houve respeito entre nós, minha mulher sabia do que estava ocorrendo. Ela me deu felicidade, e eu a ajudei a crescer."
Será que ele seria tão condenado quanto está sendo agora, após ter humilhado tanto Lewinsky quanto Hillary, traído a confiança de amigos, aliados e de todo o país?
Há até indícios de que, realmente, Clinton pode ter gostado mesmo de Lewinsky. Houve gestos delicados, de um adolescente apaixonado, dele para ela: presentes como um livro de poemas, uma caixa de bombons. Houve dezenas de telefonemas ternos, de quem não está em busca apenas de um rápido prazer por debaixo da mesa.
Se o jovem Clinton tivesse sobrevivido no presidente, suas estratégias de defesa poderiam ter sido muito diferentes e, quem sabe, melhor sucedidas. Seus contemporâneos lhe teriam agradecido. (CELS)



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