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análise
Prêmio é golpe duplo nos céticos
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
O Nobel da Paz para o
IPCC e/ou Al Gore era dado como favas contadas
por muitos. Não deixa de
ser surpresa, contudo, que
tenha saído para ambos.
Claramente se trata de
uma mensagem ao mesmo
tempo política e científica.
Muita gente torce o nariz diante dessa mescla.
Ciência não teria nada a
ver com política, é comum
ouvir. O filme que valeu
um Oscar neste ano a Gore
e agora o Nobel, "Uma
Verdade Inconveniente",
visto desse ângulo, seria o
melhor exemplo de impertinência.
Nos Estados Unidos, a
Associação Nacional de
Professores de Ciência recusou 70 mil cópias do
DVD para uso em sala de
aula. No Reino Unido, um
pai de aluno levou o caso à
Justiça por considerar que
se tratava de "material político". Um magistrado negou o banimento do filme
das escolas, contanto que
professores apresentem as
visões de Gore de modo
crítico.
Há pontos discutíveis
no trabalho, com efeito, e
Gore precisa responder
uma a uma as objeções.
Assim funciona o campo
científico no qual busca
apoio para sua cruzada.
Ele não precisava ter incluído as duvidosas neves
do monte Kilimanjaro, por
exemplo, até porque não
são as únicas mostradas
no filme.
Mas é pouco para negar
que, no geral, a obra passa
bem pelo escrutínio especializado: nove afirmações
duvidosas, como contou o
juiz, em 96 minutos de
projeção, até que não fazem feio.
O Comitê Norueguês do
Nobel lavrou um autêntico passa-moleque nos críticos de picuinhas. Calou a
boca, ainda, daqueles que
-como o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg e
o romancista americano
Michael Crichton- se especializaram em inventariar exemplos do que consideram alarmismo climático de Gore e sua turma
(sem conseguir, no entanto, convencer a maioria de
que o balanço das evidências científicas favoreça a
inação).
Dando o prêmio também para o IPCC, o comitê
desfere o segundo direto
em seqüência nos chamados "céticos".
Existe um consenso
científico, sim, produzido
por centenas de pesquisadores de dezenas de países
com base em milhares de
conjuntos de dados compilados nos últimos 20
anos.
Isso não significa que o
trabalho do IPCC não seja
também ele político.
Ao lançar a súmula científica de seu Quarto Relatório de Avaliação, em fevereiro, não precisava ter
qualificado como "inequívoco" o aquecimento do
sistema clima -mas o fez.
É um uso ético e legítimo
de retórica, pois lastreado
não só em convicções e objeções, mas em toneladas
de observações.
O Nobel para Gore e o
IPCC quer dizer que seus
adversários não têm nada
de equivalente a mostrar.
Nem mesmo no cinema.
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