São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2007

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Com Pachauri, Bush tentou conter painel

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

De uma tacada só, o comitê do Nobel premiou o maior rival político do presidente americano, George W. Bush, e o painel de cientistas que ele achou que tinha sob seu controle -Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, é um corvo que Washington criou e que acabou comendo os olhos da Casa Branca, aparentemente os únicos no mundo ainda cegos para a crise do clima.
Em 2002, um ano após rejeitar o protocolo de Kyoto, Bush lançou uma grande ofensiva contra o IPCC. O painel era então presidido por Robert Watson, conhecido por sua defesa estridente do corte imediato e profundo das emissões de gases de efeito estufa. Watson era indicado político da administração Clinton-Gore e uma pedra no sapato dos republicanos e das empresas de petróleo que os apoiavam.
Naquele ano, quando o IPCC realizaria eleições, um memorando da Exxon à Casa Branca perguntava: "Será que Watson pode ser substituído agora, a pedido dos EUA?". Pedido atendido. E os EUA passaram a fazer campanha para que Pachauri fosse escolhido para a presidência do painel.
O lobby tinha o claro objetivo de enfraquecer o IPCC. Relativamente desconhecido, Pachauri trabalhava para a indústria do carvão mineral na Índia, o ramo da economia que mais polui. A expectativa de Washington era que o economista indiano permanecesse fiel a suas origens e silenciasse o IPCC.
Uma vez na liderança do painel, no entanto, Pachauri se viu cercado pelas evidências. E teve de se render a elas. Estudo após estudo, medição após medição, desastre natural após desastre natural, o quadro que se configurava era o de que o aquecimento global era real e, sim, era causado sobretudo pela queima de combustíveis fósseis por seres humanos.
Essas conclusões teriam de ficar bem explícitas no Quarto Relatório de Avaliação do Conhecimento sobre a Mudança Global do Clima, cuja produção o indiano liderou com retidão e transparência. E ficaram. O tiro de Bush saiu pela culatra.
A Exxon não desistiu: passou a financiar uma ONG, o neoconservador American Enterprise Institute, para subornar cientistas a escrever estudos desacreditando as conclusões do IPCC. O instituto oferecia US$ 8.000 por crítica. A armação foi descoberta pela imprensa e denunciada. A Bush nada mais restou do que declarar que acredita nos cientistas, tentando ao mesmo tempo manter na prática a decisão de não fazer nada para resolver a crise.
O Nobel da Paz a Al Gore e ao IPCC acaba funcionando como uma declaração política: Bush, você perdeu a sua chance de liberar o planeta. Que os democratas façam melhor em 2008.


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