São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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GUERRA SEM LIMITES

Parte dos 660 detidos poderá ser libertada, mas os mais "radicais" seguirão presos por tempo indeterminado

EUA decidem rever prisões em Guantánamo

DA REDAÇÃO

Os EUA criarão uma comissão para analisar os casos de mais de 650 suspeitos de envolvimento com o terrorismo detidos em sua base de Guantánamo, em Cuba, mas pretendem manter parte deles sob detenção por tempo indeterminado.
A comissão ouvirá os argumentos dos prisioneiros e, se for o caso, de seus países de origem e determinará quais deles continuam a representar uma ameaça para os EUA e quais podem ser libertados ou entregues à Justiça de seus países. O objetivo é manter apenas os suspeitos mais "radicais".
A notícia foi divulgada pelo "New York Times" e confirmada pelo secretário da Defesa, Donald Rumsfeld.
Os EUA mantêm isolados em Guantánamo, uma base encravada na ponta sudeste da ilha de Cuba, cerca de 660 suspeitos de ligação com a Al Qaeda, rede terrorista responsável pelos atentados do 11 de Setembro, e com o Taleban, milícia extremista islâmica que governava o Afeganistão até 2001, quando foi deposta pelos EUA.
A maior parte foi detida no Afeganistão, durante a intervenção militar liderada pelos americanos após o 11 de Setembro. Há presos de várias nacionalidades, de afegãos a árabes, incluindo europeus. A maioria é muçulmana.
Eles foram levados para Cuba, onde estão há cerca de dois anos sem que tenham sido adequadamente processados e julgados.
Os EUA os consideram como "combatentes inimigos", e não como prisioneiros de guerra (o que lhes garantiria direitos previstos nas Convenções de Genebra). Há planos para julgá-los em tribunais militares, cujas regras já foram definidas.
"Reconheço que em nossa sociedade a idéia de deter pessoas sem acesso a advogados e sem um julgamento parece inusual", disse o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld.
"Temos de estar conscientes de que essas pessoas não estão presas porque roubaram um carro ou um banco. São combatentes inimigos e terroristas detidos por atos de guerra contra nosso país. E é por isso que as regras diferentes se justificam", disse Rumsfeld.
O Exército americano, à frente de uma coalizão internacional e com ajuda de opositores afegãos, derrubou o Taleban do poder no final de 2001 sob o argumento de que o grupo protegia a Al Qaeda, que usava o Afeganistão como um refúgio para treinar terroristas e planejar atentados.
O governo de George W. Bush tem sido criticado por organizações de defesa dos direitos humanos por deter centenas de suspeitos sem processá-los segundo padrões internacionais. Os presos estão isolados há milhares de quilômetros de seus países, sem direito a visitas de suas famílias ou mesmo de um advogado.
Entre os prisioneiros, há cidadãos de países aliados, como Reino Unido e França, cujos governos têm tentado intermediar uma solução satisfatória. Ontem, Rumsfeld anunciou a repatriação de um cidadão espanhol.
Segundo autoridades americanas, as detenções prolongadas possibilitaram que os EUA reunissem informações vitais que resultaram em prisões importantes.
"A idéia de que um governo possa manter alguém preso por tempo indeterminado é repreensível", disse Michael Ratner, presidente do Centro para os Direitos Constitucionais, baseado em Nova York, ao "Times".
"Como podemos saber, sem um julgamento, se essas pessoas são mesmo perigosas? Tudo se baseia apenas na palavra do Exército", disse Ratner.
Segundo o governo Bush, os prisioneiros de Guantánamo não têm direito às proteções constitucionais americanas porque a base militar está fora do território dos EUA. A Suprema Corte deve se manifestar sobre o tema provavelmente em abril.
No momento, uma nova prisão, com celas tradicionais e muros reforçados, está sendo construída em Guantánamo, com capacidade para cerca de cem pessoas.
Nos últimos dois anos, os suspeitos têm sido mantidos em celas improvisadas, de metal e apenas parcialmente protegidas do ambiente externo.
Embora os EUA e Cuba, sob regime comunista, tenham uma rivalidade de várias décadas, a base militar de Guantánamo seguirá sob controle americano por tempo indeterminado.
Os EUA desembarcaram em Guantánamo em 1898, quando Cuba lutava para se tornar independente da Espanha. A independência acabou sendo declarada, com apoio dos EUA, que, em troca, governaram o país até 1902 e obtiveram o direito de intervenção no jovem país e de construir uma poderosa base aeronaval.
Apesar do desejo do regime de Fidel Castro de retomar o controle sobre a área, os EUA têm direito de manter seu encrave militar na ilha pelo tempo que desejar.


Com agências internacionais

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