São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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Corte militar é injusta, diz advogado de réu

ROSA TOWNSEND
DO "EL PAÍS", EM MIAMI

Michael Mori é comandante e advogado do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Foi indicado pelo Pentágono para defender um dos seis presos de Guantánamo escolhidos pelo presidente George W. Bush para serem julgados em tribunais militares, também conhecidos como "comissões".
Seu cliente é David Hicks, um australiano que foi capturado quando combatia ao lado do Taleban no Afeganistão. Ele ainda não foi acusado formalmente.
Mori faz duras críticas aos tribunais militares por considerar que, diferentemente dos conselhos de guerra, são injustos e criam um precedente perigoso. Por isso ele solicitou à Suprema Corte que autorize as apelações a tribunais civis dos EUA.

Pergunta - Os tribunais militares constituem um sistema justo para julgar os presos de Guantánamo ou outros suspeitos de terrorismo?
Michael Mori -
O sistema de comissões militares não vai garantir um julgamento justo a Hicks, pois não tem a independência nem as garantias do sistema de Justiça criminal dos EUA.

Pergunta - Os tribunais prevêem a presunção de inocência e a necessidade de provas de culpa que excluam a dúvida razoável. Trata-se de garantias suficientes?
Mori -
O sistema dos tribunais é um processo arcaico. A presunção de inocência, o direito de não testemunhar e as provas que superam a dúvida razoável são promessas sem fundamento. Essas comissões foram criadas unicamente para julgar os suspeitos de terrorismo, e a única razão pela qual alguém pode ver-se submetido a elas é que tenha sido classificado de suspeito de terrorismo. A única presunção é, portanto, que a pessoa seja terrorista.
O direito de não depor não faz sentido num processo em que uma pessoa pode ser detida por quase dois anos sem acusação, sendo interrogada. E com as respostas que dá nos interrogatórios sendo usadas como prova contra ela. As provas que excluem a dúvida razoável foram solapadas, na medida em que o nível das provas admissíveis foi rebaixado.

Pergunta - O sr. preferiria conselhos de guerra em lugar de tribunais? Quais são as diferenças entre os dois?
Mori -
É isso que Hicks está pedindo, um conselho de guerra normal. Se existe alguma prova contra ele, que o julguem dentro do sistema jurídico estabelecido. Os conselhos de guerra têm uma história honrada de mais de 50 anos nos EUA. Contam com um juiz militar, que é independente do júri e pode desconsiderar as acusações feitas ao réu, e, além disso, permitem a apelação às cortes civis -desde as federais até a Suprema Corte.

Pergunta - O sr. vem demonstrando coragem ao desafiar o governo que paga seu salário e que o indicou para defender Hicks. Pensa que pode vir a sofrer conseqüências?
Mori -
Não acho que eu esteja desafiando o governo. Estou defendendo um processo justo. Como oficial dos fuzileiros navais, fui ensinado a fazer o que é certo. E as comissões militares não são o certo para Hicks.
Esse sistema não seria aceitável para julgar um soldado ou um cidadão norte-americano. Não é, portanto, um sistema justo para julgar um estrangeiro. Penso que estou cumprindo meu dever, de acordo com os princípios que me foram inculcados. E com minha experiência legal.


Tradução de Clara Allain


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