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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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ARTIGO

Operação França

WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"

França, China e Síria têm uma razão comum para querer manter as tropas americanas e britânicas longe do Iraque: os três países talvez não queiram que o mundo descubra que cidadãos seus vêm suprindo Saddam Hussein ilicitamente com materiais usados na produção de mísseis terra-terra de longo alcance.
Não estamos falando dos mísseis de curto alcance Al Samud 2, que Saddam vem destruindo de maneira ostensiva para ajudar seus protetores a evitar uma invasão, nem de seus velhos mísseis Scud móveis. O sistema de projeção de ogivas de destruição em massa requer combustíveis e um sistema de propulsão muito mais sofisticados.
Se você estivesse dirigindo o projeto iraquiano de mísseis balísticos, onde iria procurar a substância química que está entre as melhores para atuar como liga para agentes propulsores sólidos?
Resposta: no número 116 da rua DaWu, em Zibo, cidade na Província de Shandong, na China, onde uma empresa chamada Qilu Chemicals é grande produtora de uma borracha líquida transparente chamada polibutadieno hidroxi-terminado, conhecida entre os íntimos no ramo dos foguetes avançados como HTPB.
Mas você não iria querer que a palavra "químicas" aparecesse em qualquer parte da documentação da compra, já que isso poderia servir de alerta aos inspetores que aplicam as sanções, então recorreria a alguns "interruptores". Um deles é uma empresa de importação e exportação com a qual a Qilu Chemicals frequentemente faz negócios.
Para distanciar-se duas vezes da fonte do material, você procuraria a corretora parisiense CIS Paris, que atua em transações de vários tipos com Bagdá. O diretor dela está ciente do pedido, mas nega ser o agente.
Um carregamento de 20 toneladas de HTPB, cuja venda ao Iraque é proibida pelas resoluções da ONU e pelo acordo de petróleo por alimentos, deixou a China em agosto de 2002 dentro de um contêiner de 40 pés. Chegou ao porto sírio de Tartus, usado como terminal no Mediterrâneo de um oleoduto iraquiano, e lá foi recebido por uma empresa comercial que atuou como intermediária da indústria iraquiana de mísseis, usuária final do produto. Em seguida, o HTPB foi levado ao Iraque de caminhão, atravessando a Síria.
A Síria não possui nenhum programa sofisticado de construção de mísseis. Os foguetes que tem geralmente vêm prontos da Rússia (e geralmente são comprados a crédito), de modo que o país não tem o que fazer com o HTPB. Mas, como prova o carregamento em questão, o país, ao qual falta dinheiro vivo, atua como corredor de passagem de produtos ligados a mísseis e destinados a Saddam, a quem dinheiro vivo não falta. Teremos de esperar até depois da guerra para descobrir quantas outras armas Saddam tem armazenadas nos depósitos sírios, atualmente fora do alcance dos inspetores.
A conexão francesa -atuando como intermediária no negócio entre o produtor chinês, o transportador terrestre sírio e o comprador iraquiano- não é grande segredo para os mercadores mundiais de armas. O serviço de inteligência francês tem conhecimento dela há muito tempo. A exigência de uma licença de exportação da França, além da aprovação sob as sanções da ONU, pode ter sido evitada com o estratagema de disfarçar o carregamento como venda direta da China para a Síria.
Fui informado também de que, em abril passado, foi assinado em Paris um contrato para a compra de cinco toneladas de dimetil-hidrazina 99% assimétrico, outro combustível avançado para mísseis, produzido pela empresa francesa Société Nationale des Poudres et Explosifs. Além disso, as tentativas iraquianas de comprar um oxidante para mísseis de carga propulsora sólida, perclorato de amônio, tiveram êxito, pelo menos no papel. Como o HTPB, as duas substâncias precisam receber a aprovação do Comitê de Sanções da ONU antes que possam ser vendidas ao Iraque.
Quem sabe alguns membros intrépidos da Sociedade de Adoração de Chirac, antes conhecida como a imprensa francesa, ousem perguntar sobre esses carregamentos às omissas autoridades francesas de controle de exportações. Os inspetores da ONU que vistoriam a empresa comercial iraquiana El Sirat poderiam tentar seguir o rastro de sua filiada, Gudia Bureau, e informar-se sobre seus negócios em Paris.
Comecei a pesquisar os dados há apenas uma semana, partindo de dados vindos de uma fonte árabe, não da CIA. Esses detalhes sobre a colaboração entre França, China, Síria e Iraque em torno de uma carga propulsora trazem à tona algumas das motivações que estão por trás da campanha movida por esses países para suprimir a verdade. Mas a verdade acabará por vir à tona.


Tradução de Clara Allain


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