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ARTIGO
Operação França
WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"
França, China e Síria têm uma
razão comum para querer manter
as tropas americanas e britânicas
longe do Iraque: os três países talvez não queiram que o mundo
descubra que cidadãos seus vêm
suprindo Saddam Hussein ilicitamente com materiais usados na
produção de mísseis terra-terra
de longo alcance.
Não estamos falando dos mísseis de curto alcance Al Samud 2,
que Saddam vem destruindo de
maneira ostensiva para ajudar
seus protetores a evitar uma invasão, nem de seus velhos mísseis
Scud móveis. O sistema de projeção de ogivas de destruição em
massa requer combustíveis e um
sistema de propulsão muito mais
sofisticados.
Se você estivesse dirigindo o
projeto iraquiano de mísseis balísticos, onde iria procurar a substância química que está entre as
melhores para atuar como liga
para agentes propulsores sólidos?
Resposta: no número 116 da rua
DaWu, em Zibo, cidade na Província de Shandong, na China,
onde uma empresa chamada Qilu
Chemicals é grande produtora de
uma borracha líquida transparente chamada polibutadieno hidroxi-terminado, conhecida entre os íntimos no ramo dos foguetes avançados como HTPB.
Mas você não iria querer que a
palavra "químicas" aparecesse
em qualquer parte da documentação da compra, já que isso poderia servir de alerta aos inspetores que aplicam as sanções, então
recorreria a alguns "interruptores". Um deles é uma empresa de
importação e exportação com a
qual a Qilu Chemicals frequentemente faz negócios.
Para distanciar-se duas vezes da
fonte do material, você procuraria
a corretora parisiense CIS Paris,
que atua em transações de vários
tipos com Bagdá. O diretor dela
está ciente do pedido, mas nega
ser o agente.
Um carregamento de 20 toneladas de HTPB, cuja venda ao Iraque é proibida pelas resoluções da
ONU e pelo acordo de petróleo
por alimentos, deixou a China em
agosto de 2002 dentro de um contêiner de 40 pés. Chegou ao porto
sírio de Tartus, usado como terminal no Mediterrâneo de um
oleoduto iraquiano, e lá foi recebido por uma empresa comercial
que atuou como intermediária da
indústria iraquiana de mísseis,
usuária final do produto. Em seguida, o HTPB foi levado ao Iraque de caminhão, atravessando a
Síria.
A Síria não possui nenhum programa sofisticado de construção
de mísseis. Os foguetes que tem
geralmente vêm prontos da Rússia (e geralmente são comprados
a crédito), de modo que o país não
tem o que fazer com o HTPB.
Mas, como prova o carregamento
em questão, o país, ao qual falta
dinheiro vivo, atua como corredor de passagem de produtos ligados a mísseis e destinados a
Saddam, a quem dinheiro vivo
não falta. Teremos de esperar até
depois da guerra para descobrir
quantas outras armas Saddam
tem armazenadas nos depósitos
sírios, atualmente fora do alcance
dos inspetores.
A conexão francesa -atuando
como intermediária no negócio
entre o produtor chinês, o transportador terrestre sírio e o comprador iraquiano- não é grande
segredo para os mercadores mundiais de armas. O serviço de inteligência francês tem conhecimento
dela há muito tempo. A exigência
de uma licença de exportação da
França, além da aprovação sob as
sanções da ONU, pode ter sido
evitada com o estratagema de disfarçar o carregamento como venda direta da China para a Síria.
Fui informado também de que,
em abril passado, foi assinado em
Paris um contrato para a compra
de cinco toneladas de dimetil-hidrazina 99% assimétrico, outro
combustível avançado para mísseis, produzido pela empresa
francesa Société Nationale des
Poudres et Explosifs. Além disso,
as tentativas iraquianas de comprar um oxidante para mísseis de
carga propulsora sólida, perclorato de amônio, tiveram êxito, pelo
menos no papel. Como o HTPB,
as duas substâncias precisam receber a aprovação do Comitê de
Sanções da ONU antes que possam ser vendidas ao Iraque.
Quem sabe alguns membros intrépidos da Sociedade de Adoração de Chirac, antes conhecida
como a imprensa francesa, ousem
perguntar sobre esses carregamentos às omissas autoridades
francesas de controle de exportações. Os inspetores da ONU que
vistoriam a empresa comercial
iraquiana El Sirat poderiam tentar
seguir o rastro de sua filiada, Gudia Bureau, e informar-se sobre
seus negócios em Paris.
Comecei a pesquisar os dados
há apenas uma semana, partindo
de dados vindos de uma fonte
árabe, não da CIA. Esses detalhes
sobre a colaboração entre França,
China, Síria e Iraque em torno de
uma carga propulsora trazem à
tona algumas das motivações que
estão por trás da campanha movida por esses países para suprimir
a verdade. Mas a verdade acabará
por vir à tona.
Tradução de Clara Allain
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