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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Para comissário da ONU, denunciar a opressão de Saddam, usando-a para justificar a guerra, é "descobrir a roda"

Vieira de Mello critica argumento dos EUA

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Discutir agora a opressão do ditador Saddam Hussein contra a população iraquiana, como faz o governo americano, é como "descobrir a roda", disse o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
"Hoje em dia está todo mundo aflito e surpreso com a situação dos direitos humanos no Iraque, como se isso fosse novidade. Essas violações já aconteciam quando o Iraque tinha o apoio de muitos países ocidentais, incluindo o nosso, nos anos 80", diz.
A política de Saddam para direitos humanos tem sido usada nos EUA como justificativa para uma guerra contra o Iraque.
Brasileiro com o cargo mais alto hoje na diplomacia internacional, Vieira de Mello, 54, atua na ONU em Genebra. No último dia 5, ele se reuniu com o presidente George W. Bush na Casa Branca.
 

Folha - Que papel a ONU poderia ter no Iraque após uma eventual guerra?
Sérgio Vieira de Mello -
Poderia variar segundo uma autorização prévia do Conselho de Segurança para emprego da força. Kosovo [1999] é talvez o tema mais análogo. A Otan lançou aquela campanha sem a autorização do CS. Isso não impediu que o Conselho aprovasse a resolução que dava à ONU a administração transitória.

Folha - Que relatos o sr. tem sobre direitos humanos no Iraque hoje?
Vieira de Mello -
As violações estão bem documentadas. Infelizmente a lista é longa. Não é nenhuma novidade. Não existe mistério sobre a situação dos direitos humanos no Iraque. Todo mundo está farto de saber o que acontece desde a época em que os curdos eram reprimidos, em que os xiitas do sul eram discriminados.

Folha - A documentação aponta melhora ou piora em relação aos direitos humanos no país?
Vieira de Mello -
A única melhora foi a libertação, no ano passado, de milhares de prisioneiros. Aquilo foi positivo e deve ser reconhecido. Mas a verdade é que muita gente continua presa. Essa moeda também tem outra face.

Folha - Nesta semana, um tribunal pôs os prisioneiros de Guantánamo -base em Cuba onde os EUA mantêm presos suspeitos de terrorismo- num "limbo jurídico", negando acesso às cortes americanas. Como foi a conversa com Bush sobre direitos humanos nos EUA?
Vieira de Mello -
O limbo jurídico é uma das nossa grandes preocupações. Como é que uma democracia pode criar essa figura da não-jurisdição nacional para pessoas que estão detidas num território controlado por esse país? É um conceito estapafúrdio. Entendo que queiram conseguir o máximo de informações sem ter de prestar contas imediatas à Justiça. Mas isso tem limites.
Eu também mencionei ao presidente Bush o fato de que esses prisioneiros não têm acesso a um sistema de defesa, não sabem do que são acusados, não sabem por quanto tempo vão ficar detidos. Mencionei minha preocupação de que os EUA pareciam estar extraditando pessoas a países que todo mundo sabe que praticam a tortura. Eles não deveriam entregar essas pessoas a esses países.

Folha - Qual a utilidade que o Tribunal Penal Internacional pode ter contra o terrorismo, uma vez que os EUA não o apóiam?
Vieira de Mello -
Os EUA haverão de se dar conta que é preferível transferir essa pessoas a um tribunal penal internacional a tentar fazer justiça em Guantánamo. Conversamos a esse respeito no Departamento de Estado e chegamos à conclusão óbvia: concordamos em discordar.


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