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IRAQUE NA MIRA
Para comissário da ONU, denunciar a opressão de Saddam, usando-a para justificar a guerra, é "descobrir a roda"
Vieira de Mello critica argumento dos EUA
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Discutir agora a opressão do ditador Saddam Hussein contra a
população iraquiana, como faz o
governo americano, é como "descobrir a roda", disse o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o brasileiro
Sérgio Vieira de Mello.
"Hoje em dia está todo mundo
aflito e surpreso com a situação
dos direitos humanos no Iraque,
como se isso fosse novidade. Essas violações já aconteciam quando o Iraque tinha o apoio de muitos países ocidentais, incluindo o
nosso, nos anos 80", diz.
A política de Saddam para direitos humanos tem sido usada nos
EUA como justificativa para uma
guerra contra o Iraque.
Brasileiro com o cargo mais alto
hoje na diplomacia internacional,
Vieira de Mello, 54, atua na ONU
em Genebra. No último dia 5, ele
se reuniu com o presidente George W. Bush na Casa Branca.
Folha - Que papel a ONU poderia
ter no Iraque após uma eventual
guerra?
Sérgio Vieira de Mello - Poderia
variar segundo uma autorização
prévia do Conselho de Segurança
para emprego da força. Kosovo
[1999] é talvez o tema mais análogo. A Otan lançou aquela campanha sem a autorização do CS. Isso
não impediu que o Conselho
aprovasse a resolução que dava à
ONU a administração transitória.
Folha - Que relatos o sr. tem sobre
direitos humanos no Iraque hoje?
Vieira de Mello - As violações estão bem documentadas. Infelizmente a lista é longa. Não é nenhuma novidade. Não existe mistério sobre a situação dos direitos humanos no Iraque. Todo mundo está farto de saber o que acontece desde a época em que os curdos eram reprimidos, em que os
xiitas do sul eram discriminados.
Folha - A documentação aponta
melhora ou piora em relação aos
direitos humanos no país?
Vieira de Mello - A única melhora foi a libertação, no ano passado, de milhares de prisioneiros.
Aquilo foi positivo e deve ser reconhecido. Mas a verdade é que
muita gente continua presa. Essa
moeda também tem outra face.
Folha - Nesta semana, um tribunal pôs os prisioneiros de Guantánamo -base em Cuba onde os EUA
mantêm presos suspeitos de terrorismo- num "limbo jurídico", negando acesso às cortes americanas.
Como foi a conversa com Bush sobre direitos humanos nos EUA?
Vieira de Mello - O limbo jurídico é uma das nossa grandes preocupações. Como é que uma democracia pode criar essa figura da
não-jurisdição nacional para pessoas que estão detidas num território controlado por esse país? É
um conceito estapafúrdio. Entendo que queiram conseguir o máximo de informações sem ter de
prestar contas imediatas à Justiça.
Mas isso tem limites.
Eu também mencionei ao presidente Bush o fato de que esses prisioneiros não têm acesso a um sistema de defesa, não sabem do que
são acusados, não sabem por
quanto tempo vão ficar detidos.
Mencionei minha preocupação
de que os EUA pareciam estar extraditando pessoas a países que
todo mundo sabe que praticam a
tortura. Eles não deveriam entregar essas pessoas a esses países.
Folha - Qual a utilidade que o Tribunal Penal Internacional pode ter
contra o terrorismo, uma vez que
os EUA não o apóiam?
Vieira de Mello - Os EUA haverão de se dar conta que é preferível transferir essa pessoas a um
tribunal penal internacional a
tentar fazer justiça em Guantánamo. Conversamos a esse respeito
no Departamento de Estado e
chegamos à conclusão óbvia: concordamos em discordar.
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