São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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"Mudanças dependem de luta"

de Londres

Para ativistas pró-minorias étnicas no Reino Unido, serão lentos os avanços nas relações raciais do país. "Se não houvesse luta, haveria retrocesso", diz Victor Amokeodo, 33, editor da revista "Black Perspective" (Perspectiva Negra).
Britânico de nascença, mas de origem africana, o jornalista diz que o Reino Unido é um dos países menos racistas da Europa. Para ele, o preconceito racial no Brasil, onde a representatividade da população de origem negra é muito maior, é bem pior do que o racismo manifestado pela sociedade britânica.

Folha - O que o senhor acha das iniciativas que visam treinar as pessoas, como nas Forças Armadas, contra o racismo? São suficientes?
Victor Amokeodo -
Até certo ponto, são úteis, porque racismo tem várias razões e uma delas é a ignorância. Se eles são treinados e misturados com pessoas de outras origens, passam a conhecer, a lidar de forma natural com outras etnias. Há preconceito, no entanto, que independe de treinamento, nunca terá fim. O treinamento tem de ser parte de um pacote, com punições e sanções para quem incorrer em crimes e comportamentos racistas, especialmente nas Forças Armadas, uma das últimas áreas dominadas por homens brancos.
Folha - As Forças Armadas estão tentando incentivar o recrutamento. O senhor vê mudanças?
Amokeodo -
Não tem havido muita mudança, mas tem havido muitas tentativas de mudar o comportamento da sociedade. O problema é que não é fácil para uma organização sempre vista com desconfiança pelas minorias étnicas convencê-las a se juntar. As Forças Armadas terão trabalho dobrado para mudar alguma coisa, mas não parecem se esforçar o suficiente.
Folha - O senhor acha que este é um país, por definição, racista?
Amokeodo -
O Reino Unido é um dos países europeus menos racistas, se comparado à Itália e à Espanha. Racismo não é dos grandes males, especialmente em Londres. Pessoas de origens diferentes convivem muito bem. O problema é o racismo institucionalizado, nos serviços públicos, no atendimento.
Folha - Em países como o Brasil, preconceitos social e racial se misturam. Que tipo de racismo há no Reino Unido?
Amokeodo -
Pelo que sei do Brasil, o problema racial é muito pior do que no Reino Unido porque, aqui, negros ainda são uma minoria, enquanto, no Brasil, uma grande parcela da população tem alguma influência da etnia negra. Se aqui 5% dos políticos são de minorias étnicas, a cifra corresponde à representatividade das mesmas entre a população. No Brasil, não. Aqui, preconceitos racial e social também se misturam porque há um círculo vicioso. Em Londres, os mais pobres são de minorias étnicas. Minorias têm menos chances, ficam desempregadas e vão constituir a parte pobre da sociedade.
Folha - Qual a sua expectativa em relação à recém-anunciada política de "tolerância zero" do governo britânico contra o racismo?
Amokeodo -
Haverá mudanças, mas elas serão lentas. Há 40 anos, havia lugares que não permitiam a entrada de negros, irlandeses e cachorros. Mas, se nós parássemos de lutar, haveria retrocesso.


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