|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Circunstâncias aprisionam líderes
DO ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
A sabedoria convencional diz
que boa parte da culpa pela atual
fase do cruento conflito israelo-palestino é dos líderes das duas
partes, o primeiro-ministro Ariel
Sharon e o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP),
Iasser Arafat.
Os dois são citados, em geral,
como lideranças radicais, incapazes dos gestos de grandeza e despreendimento sem os quais será
absolutamente impossível chegar
a algum acordo sólido.
Basta ler o que escreveu um israelense, no também israelense
"Haaretz", sobre Sharon:
"Opressão e força bruta é a única linguagem que ele conhece. As
noções de barganha, acomodação
e concessão são estranhas a todo o
seu modo de pensar", analisa Avi
Shlaim, professor de Relações Internacionais da Universidade britânica de Oxford.
Do lado palestino, ainda mais
nas atuais circunstâncias, em que
Arafat está confinado em seu QG
de Ramallah, as críticas são feitas
apenas em voz baixa e sem que
seu autor aceite a divulgação do
nome.
Não obstante, não são diferentes da que Shlaim faz a Sharon.
Mas há uma aceitação virtualmente universal de que ambos
são, hoje, representantes de um
sentimento profundamente
enraizado na alma tanto de israelenses como de palestinos.
No lado de Israel, pesquisa publicada sexta-feira pelo jornal
"Maariv" mostra que 75% dos israelenses aprovam a ofensiva sobre territórios palestinos desencadeada pelo primeiro-ministro.
Sharon viu sua taxa de aprovação
subir de 35% para 59%, desde que
começaram os ataques.
No lado palestino, a análise é de
Ian Lustick, professor de Ciência
Política da Universidade da Pensilvânia, com a experiência de
quem foi conselheiro para Oriente Médio do Departamento de Estado nas quatro anteriores administrações:
"Apesar dos defeitos de Arafat,
que são acima de tudo um reflexo
das circunstâncias em que vivem
os palestinos, qualquer um que
tentasse fazer algo diferente do
que ele faz fracassaria da mesma
maneira ou de maneira pior, se as
circunstâncias não mudarem".
As "circunstâncias" é que acabam formando o nó impossível
de ser desfeito, sejam quais forem
os líderes de parte a parte.
Para Israel, a "circunstância"
são os atentados terroristas, não a
ocupação dos territórios palestinos, que já dura 35 anos, nem a
mais recente reocupação.
Ao contrário do que muita gente pensa no exterior, Brasil inclusive, a guerra atual não é a guerra
de Sharon, mas a "guerra do povo", como a definiu, em brilhante
artigo na semana passada, o jornalista Gideon Levy, colunista do
"Haaretz".
Levy é um crítico tão feroz das
políticas israelenses em relação
aos palestinos que está na lista negra da direita, acusado de ser traidor e quinta-coluna.
"O grito que ecoou nas demonstrações da direita quase um mês
atrás ("Nós queremos guerra'),
um tipo de grito que não é ouvido
em países iluminados, tornou-se
sentimento geral", sentiu-se obrigado a escrever Levy.
Para os palestinos, no entanto, a
"circunstância" é a ocupação, da
qual o terrorismo seria filho direto e legítimo.
"Se a vida sob a ocupação se tornou impossível, dizem os palestinos, então o preço de manter a
ocupação tem que ser insuportável", analisa Marwan Bishara,
professor de Relações Internacionais na Universidade Americana
de Paris.
Reforça Daniel Pipes, especialista do "Middle East Forum": "Arafat certamente é um terrorista,
mas a sociedade palestina adotou
sua tática tão profundamente que
nem é necessário que ele continue".
Equivale a dizer que o fato de
Sharon, os Estados Unidos e boa
parte do establishment israelense
considerarem Arafat inconfiável
para negociar um acordo de paz
não faz a menor diferença, se não
mudarem as "circunstâncias" tais
como as vêem os palestinos.
"Só quando se abrir um caminho real e crível para um Estado
palestino, as circunstâncias permitirão a Arafat tornar-se alguém
diferente do que é ou permitirão
que alguém o substitua e opere de
outra maneira", diz Lustick, o ex-conselheiro do Departamento de
Estado.
Em tese, é esse caminho que o
secretário de Estado norte-americano Colin Powell está tentando
explorar na sua viagem ao Oriente
Médio. A criação do Estado palestino, de resto, já recebeu as bênçãos até de Sharon, que não é exatamente um entusiasta da idéia.
O diabo está, como sempre, nos
detalhes.
Confirma essa impressão o brigadeiro-general da reserva Shlomo Brom, hoje pesquisador do
Centro Jaffee para Estudos Estratégicos da Universidade de Tel
Aviv:
"Para pôr fim ao terrorismo, seria preciso criar dois Estados entre o rio Jordão e o Mediterrâneo,
mas as duas partes não conseguem se entender sobre como
chegar a isso".
Sobre a vida, de fato não se entendem. Mas às vezes se entendem na morte: uma mulher palestina, Aisha Abu-Shadi, 54, recebeu um rim de Zeev Vidor, uma
das 28 vítimas israelenses do ataque ao Park Hotel, em Netania,
que foi o estopim para a invasão
dos territórios palestinos.
(CR)
Texto Anterior: Oriente Médio: Arafat condena o terror e vê Powell hoje Próximo Texto: Frase Índice
|