São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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Circunstâncias aprisionam líderes

DO ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

A sabedoria convencional diz que boa parte da culpa pela atual fase do cruento conflito israelo-palestino é dos líderes das duas partes, o primeiro-ministro Ariel Sharon e o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Iasser Arafat.
Os dois são citados, em geral, como lideranças radicais, incapazes dos gestos de grandeza e despreendimento sem os quais será absolutamente impossível chegar a algum acordo sólido.
Basta ler o que escreveu um israelense, no também israelense "Haaretz", sobre Sharon:
"Opressão e força bruta é a única linguagem que ele conhece. As noções de barganha, acomodação e concessão são estranhas a todo o seu modo de pensar", analisa Avi Shlaim, professor de Relações Internacionais da Universidade britânica de Oxford.
Do lado palestino, ainda mais nas atuais circunstâncias, em que Arafat está confinado em seu QG de Ramallah, as críticas são feitas apenas em voz baixa e sem que seu autor aceite a divulgação do nome.
Não obstante, não são diferentes da que Shlaim faz a Sharon.
Mas há uma aceitação virtualmente universal de que ambos são, hoje, representantes de um sentimento profundamente enraizado na alma tanto de israelenses como de palestinos.
No lado de Israel, pesquisa publicada sexta-feira pelo jornal "Maariv" mostra que 75% dos israelenses aprovam a ofensiva sobre territórios palestinos desencadeada pelo primeiro-ministro. Sharon viu sua taxa de aprovação subir de 35% para 59%, desde que começaram os ataques.
No lado palestino, a análise é de Ian Lustick, professor de Ciência Política da Universidade da Pensilvânia, com a experiência de quem foi conselheiro para Oriente Médio do Departamento de Estado nas quatro anteriores administrações:
"Apesar dos defeitos de Arafat, que são acima de tudo um reflexo das circunstâncias em que vivem os palestinos, qualquer um que tentasse fazer algo diferente do que ele faz fracassaria da mesma maneira ou de maneira pior, se as circunstâncias não mudarem".
As "circunstâncias" é que acabam formando o nó impossível de ser desfeito, sejam quais forem os líderes de parte a parte.
Para Israel, a "circunstância" são os atentados terroristas, não a ocupação dos territórios palestinos, que já dura 35 anos, nem a mais recente reocupação.
Ao contrário do que muita gente pensa no exterior, Brasil inclusive, a guerra atual não é a guerra de Sharon, mas a "guerra do povo", como a definiu, em brilhante artigo na semana passada, o jornalista Gideon Levy, colunista do "Haaretz".
Levy é um crítico tão feroz das políticas israelenses em relação aos palestinos que está na lista negra da direita, acusado de ser traidor e quinta-coluna.
"O grito que ecoou nas demonstrações da direita quase um mês atrás ("Nós queremos guerra'), um tipo de grito que não é ouvido em países iluminados, tornou-se sentimento geral", sentiu-se obrigado a escrever Levy.
Para os palestinos, no entanto, a "circunstância" é a ocupação, da qual o terrorismo seria filho direto e legítimo.
"Se a vida sob a ocupação se tornou impossível, dizem os palestinos, então o preço de manter a ocupação tem que ser insuportável", analisa Marwan Bishara, professor de Relações Internacionais na Universidade Americana de Paris.
Reforça Daniel Pipes, especialista do "Middle East Forum": "Arafat certamente é um terrorista, mas a sociedade palestina adotou sua tática tão profundamente que nem é necessário que ele continue".
Equivale a dizer que o fato de Sharon, os Estados Unidos e boa parte do establishment israelense considerarem Arafat inconfiável para negociar um acordo de paz não faz a menor diferença, se não mudarem as "circunstâncias" tais como as vêem os palestinos.
"Só quando se abrir um caminho real e crível para um Estado palestino, as circunstâncias permitirão a Arafat tornar-se alguém diferente do que é ou permitirão que alguém o substitua e opere de outra maneira", diz Lustick, o ex-conselheiro do Departamento de Estado.
Em tese, é esse caminho que o secretário de Estado norte-americano Colin Powell está tentando explorar na sua viagem ao Oriente Médio. A criação do Estado palestino, de resto, já recebeu as bênçãos até de Sharon, que não é exatamente um entusiasta da idéia.
O diabo está, como sempre, nos detalhes.
Confirma essa impressão o brigadeiro-general da reserva Shlomo Brom, hoje pesquisador do Centro Jaffee para Estudos Estratégicos da Universidade de Tel Aviv:
"Para pôr fim ao terrorismo, seria preciso criar dois Estados entre o rio Jordão e o Mediterrâneo, mas as duas partes não conseguem se entender sobre como chegar a isso".
Sobre a vida, de fato não se entendem. Mas às vezes se entendem na morte: uma mulher palestina, Aisha Abu-Shadi, 54, recebeu um rim de Zeev Vidor, uma das 28 vítimas israelenses do ataque ao Park Hotel, em Netania, que foi o estopim para a invasão dos territórios palestinos.
(CR)


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