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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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Êxito no Iraque é chave para a paz

MICHAEL SCOTT DORAN
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"

A derrota de Saddam Hussein vai levar à criação de uma nova ordem no Oriente Médio. A natureza exata dessa nova ordem ainda não pode ser conhecida, mas uma coisa é certa: vários países vão exigir que os EUA dediquem mais recursos à melhora das relações palestino-israelenses.
Washington faria bem em atender a essas exigências. Mas deve rejeitar a idéia de que resolver esse conflito é a chave para estabelecer uma nova ordem estável.
Um consenso emergiu entre comentaristas europeus e árabes sobre a política externa dos EUA: Washington é cega à realidade. Dois slogans expressam o dogma à perfeição: ""a questão palestina é a verdadeira fonte de instabilidade regional" e ""resolva a questão da Palestina e aí você resolverá a maior parte dos problemas da América no Oriente Médio".
Embora esse ponto de vista esteja longe de ser um consenso nos EUA, ele goza de considerável apoio no mundo acadêmico e em alguns setores de Washington.
O ponto mais forte a favor da doutrina da Palestina é que o apoio dos EUA a Israel provoca o repúdio dos árabes e outros muçulmanos. Será que é exato supor que o Oriente Médio muçulmano enxerga os EUA principalmente pelo prisma da Palestina?
A questão palestina com certeza tem grande peso nos países que fazem fronteira com Israel. Mesmo assim, não é de longe a única questão que influi sobre os sentimentos na região. Para os egípcios, só para dar um exemplo, as relações entre Cairo e Washington têm importância igual.
À medida que nos afastamos geograficamente da Palestina, a natureza redutiva da análise se torna mais aparente.
As populações do golfo avaliam os EUA principalmente segundo o efeito que a política de Washington exerce sobre os conflitos que mais lhes interessam. A ambivalência dos xiitas iraquianos em relação aos EUA se deve à decepção que sentiram com políticas americanas no passado -com relação a eles, não aos palestinos.
Para curdos e kuaitianos, Saddam era um mal maior do que o Grande Satã. Seja o que for que causou o mal-estar recente nas relações EUA-Turquia, certamente não foi a questão palestina.
O caso do Irã possivelmente seja o que mais bem demonstra que, quando o assunto é o dos sentimentos da população em relação aos EUA, a política é sempre algo local. O sentimento pró-americano está crescendo rapidamente na terra de Khomeini, a ponto de muitos jovens terem aplaudido a guerra contra Saddam.
Os reformistas iranianos compartilham com Washington o ódio pelos extremistas em Teerã. Se o inimigo de meu inimigo é meu amigo, concluem, Washington não pode ser tão ruim.
Uma receita para harmonizar as relações EUA-Oriente Médio que não cubra a realidade do golfo Pérsico jamais vai resistir à prova do tempo. O golfo sempre foi o ponto focal para os EUA, e sua riqueza petrolífera faz dele uma preocupação de primeira grandeza para todos os envolvidos, incluindo os próprios Estados do Oriente Médio. É o golfo Pérsico, e não o conflito árabe-israelense, que domina as relações internacionais no Oriente Médio.
Se a doutrina da Palestina primeiro é um guia imperfeito à opinião pública no Oriente Médio, ela está totalmente errada quando se trata de descrever o comportamento dos Estados. A história recente da política iraquiana em relação a Israel ilustra a fraqueza da idéia de que resolver o problema da Palestina significará alicerçar uma ordem regional estável.
Em 79, quando o Cairo assinou os acordos de Camp David, Bagdá liderou os outros Estados árabes num esforço bem sucedido para relegar o Egito ao ostracismo.
Durante um período curto depois disso, Saddam liderou o campo daqueles que rejeitaram os acordos. A situação continuou assim até que ele ficou atolado em sua guerra contra o Irã. O medo da derrota o levou a reabilitar o Egito e a aplacar Israel, chegando ao ponto de cogitar a possibilidade de paz com o Estado judaico.
Era Washington, e não Cairo nem Jerusalém, o alvo principal da nova política de Saddam. Bagdá precisava do apoio dos EUA contra o Irã e viu que adotar uma pose de moderação com Israel seria bem visto em Washington.
Isso ilustra duas regrinhas básicas muito úteis quando se trata de prever o comportamento dos Estados árabes. A política do poder e a opinião pública são duas coisas que não giram no mesmo eixo.
O flerte de Bagdá com Israel começou na esteira da invasão israelense do Líbano, algo que o mundo árabe enxergou como uma guerra brutal de agressão contra civis indefesos. Por mais que tenha enfurecido a opinião pública iraquiana, a invasão israelense não chocou Saddam. Ele a aprovou, porque Israel combatia a Síria, que tinha se colocado contra ele na guerra entre Irã e Iraque.
Ao evocar uma unidade árabe fictícia e focalizar a opinião pública, a doutrina da Palestina primeiro ignora a natureza caleidoscópica da política de poder no Oriente Médio.
Uma solução para o problema palestino não significará o fim da competição entre os países árabes e, portanto, não irá estabilizar a região tanto quanto se imagina.


Tradução Clara Allain


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