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Saddam cai, mas conflitos ficam
SHIBLEY TELHAMI
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"
A relevância do conflito
árabe-israelense para a política americana em relação ao
Oriente Médio voltará a ser largamente discutida, agora que o regime de Saddam desmorona.
O próprio tema dessa relevância
já assumiu contornos de questão
política. O público árabe em vários países teme que, se o conflito
for visto como pouco importante,
isso signifique que o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon,
terá luz verde para seus termos, e
seus governos temem que a atenção do mundo se volte às estruturas políticas autoritárias deles.
Enquanto isso, os israelenses receiam que, se importância demais
for dada à questão, os EUA pressionem Israel e lhe imponham algo que não seja de seu agrado.
Esses temores intensificam o
senso de insegurança de Israel e o
senso difuso de fraqueza dos países árabes, estados psicológicos
quase tão fundamentais para
compreender o conflito quanto as
diferenças entre os dois lados e
que, além disso, atrapalham a visão na discussão da política americana para o Oriente Médio.
A realidade é que os EUA não
podem impor uma solução. Apenas um acordo que atenda aos interesses vitais de ambos os lados,
baseado em concessões mútuas,
pode alcançar paz duradoura.
Mas ainda é fato que apenas os
EUA podem ajudar as duas partes
a chegar à mesa de negociações. A
não ser que a administração Bush
faça da resolução do conflito árabe-israelense uma de suas prioridades, a política americana mais
ampla na região terá problemas.
A questão árabe-israelense continua a ser o prisma pelo qual a
maioria dos árabes enxerga os
EUA. É verdade que não é a única.
Mesmo fora do Oriente Médio, o
ressentimento contra os EUA é
forte em áreas onde essa questão é
secundária. Assim, não é razoável
supor que a paz entre árabes e israelenses possa eliminar os desafios dos EUA na região. Mas esse
problema cria a distorção de visão
que dificulta a solução de outros.
Seria surpreendente se o conflito não ocupasse lugar de destaque
nas preocupações dos árabes.
Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, cinco grandes guerras árabe-israelenses moldaram a
psicologia coletiva de gerações.
A maioria dessas guerras foi devastadora -e perdida pelo lado
árabe. Seu impacto tem sido real
nas vidas dos palestinos e de boa
parte das populações de Egito, Síria, Jordânia, Líbano e outros. A
questão dos refugiados palestinos
e do derramamento contínuo de
sangue -agora mostrado pela
TV- constituem lembranças
diárias do senso amplamente difundido de fraqueza e humilhação no mundo árabe.
A Palestina, em especial, se tornou uma questão de identidade
para a maioria dos árabes. Embora seu papel não seja idêntico,
possui semelhanças com o que Israel hoje tem na identidade judaica: podemos nos opor a Ariel Sharon, mas, se a sobrevivência de Israel parece estar ameaçada e inocentes são mortos, é difícil não
nos unirmos em sua defesa.
Ao longo dos anos, muitos governos árabes e outros exploraram a questão palestina em vantagem própria. Quando a coalizão
cercou Bagdá, Saddam declarou:
""Viva o Iraque! Viva a Palestina!".
São atos de manipulação. Mas
usam a questão palestina precisamente porque não há outra que
mexa tanto com as pessoas na região, atuando como atalho para
seu senso de identidade coletiva.
Nos sistemas políticos autoritários do mundo árabe, a opinião
pública é, ao menos em parte,
produto do que o governo diz ou
faz. Mas seria um erro supor que a
maior parte da visão que se tem
do conflito árabe-israelense seja
fruto do controle do governo.
Os países que têm tido paz com
Israel e relações estreitas com os
EUA e que são dependentes deles,
como Egito e Jordânia, se tornaram objetos da ira de suas populações devido à emoção crescente
que envolve a questão.
Apesar dos esforços do governo, a opinião pública na Jordânia
continua a reagir aos acontecimentos na Cisjordânia e na Faixa
de Gaza, criando desafios sérios
para a monarquia. E, apesar das
tentativas do governo egípcio de
reduzir o repúdio público aos
EUA (porque entende-se que esse
repúdio pode se voltar contra o
próprio presidente, Hosni Mubarak), a fúria não arrefeceu.
Sempre haverá muitos no mundo árabe que irão se opor aos
EUA por razões ideológicas e outras. O verdadeiro desafio consiste em marginalizar esses grupos.
A região enfrenta sua batalha
potencial própria entre as forças
da intolerância e da militância, de
um lado, e, do outro, aqueles que
buscam a tolerância, as reformas
e a solução pacífica das disputas.
A responsabilidade por essa batalha é em grande medida das forças da própria região, e é delas a
responsabilidade última de pôr
fim ao conflito árabe-israelense.
Mas a continuação do sofrimento
visível gerado por esse conflito
acaba beneficiando as forças que
os EUA querem ver derrotadas.
Quando refletimos sobre o futuro da política americana na região
após a guerra do Iraque, algo permanece igual: nenhuma estratégia que vise reduzir a militância, o
antiamericanismo e a repressão
no Oriente Médio poderá dar certo se não for priorizado um esforço para mediar uma paz justa entre árabes e israelenses.
Tradução Clara Allain
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