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ONU vê imprudência de Vieira de Mello
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Um relatório da ONU sobre o
atentado que matou seu maior representante no Iraque, Sérgio
Vieira de Mello, em agosto, feito a
pedido do secretário-geral, Kofi
Annan, aponta para a responsabilidade do próprio brasileiro pelas
falhas de segurança que facilitaram a ação terrorista.
O relatório, concluído há cerca
de duas semanas, diz que os representantes da organização no
Iraque "pareciam cegados diante
da convicção de que os funcionários e as instalações da ONU não
seriam alvos de ataques", apesar
do que o texto descreve como "indícios em sentido contrário".
O documento cita especificamente Vieira de Mello: "A resposta do representante especial do secretário-geral às perguntas do secretário-geral sobre segurança,
depois do ataque à embaixada da
Jordânia em 7 de agosto de 2003,
indicavam que o representante
especial compartilhava o mesmo
ponto de vista".
No atentado de 19 de agosto, 22
pessoas morreram, após a explosão de um carro-bomba. Segundo
o relatório da ONU, o número de
mortos poderia ter sido menor se
recomendações de segurança tivessem sido seguidas. Dois funcionários das Nações Unidas já
deixaram seus cargos por supostas falhas no Iraque.
Um diplomata próximo a Vieira
de Mello disse à Folha, sob a condição de não ser identificado, que
o fato de a segurança não ter sido
aumentada na sede de Bagdá foi
motivada por uma questão de
princípios. "Ou você tem a ONU
de portas abertas, acessível, para
fazer seu trabalho sem que as pessoas tenham medo de procurá-la,
ou não faz sentido a presença dela
no Iraque", disse o diplomata.
Se cada pessoa que quisesse denunciar desrespeitos aos direitos
humanos, num país marcado por
anos de ditadura, tivesse que passar por um processo rigoroso de
identificação, afirma, ela simplesmente não procuraria a ONU.
Segundo Stephane Dujarric,
porta-voz da organização, o relatório não "responsabiliza" Vieira
de Mello. "Ninguém poderia prever o que ocorreu", afirmou.
Mãe processa a ONU
A mãe de Vieira de Mello, Gilda,
85, deverá entrar nos próximos
dias com ação judicial por danos
morais contra as Nações Unidas.
"Meu filho me ajudava a viver, e
vai fazer oito meses que ele morreu. Eu sou viúva há 31 anos. Tenho apenas a pensão de meu marido que há dez anos não é reajustada. Então como é que eu poderia me manter?", disse ela à Folha.
O advogado Jorge Beja, encarregado do caso, diz que o processo é
inédito e que, segundo a Constituição brasileira [ação de residentes no Brasil contra organismo internacional], ele deverá correr na
Justiça Federal do Rio.
Beja argumenta que "houve um
acidente de trabalho com culpa
grave do empregador", no caso, a
ONU. Um de seus organismos, a
OIT (Organização Internacional
do Trabalho) estipula que o empregador deve dar condições de
segurança a seus empregados.
Por esse raciocínio, Sérgio Vieira de Mello estava em Bagdá exposto a risco de vida. A indenização por dano moral pode beneficiar a mãe da vítima, sobretudo
porque, prossegue Jorge Beja,
com a morte do alto funcionário,
ela perdeu uma fonte de renda.
A ONU já efetuou pagamentos
em valor ignorado pela família no
Brasil à ex-mulher de Vieira de
Mello, cidadã francesa da qual ele
estava separado, e a seus dois filhos, de 24 e 25 anos.
Caso a ONU recuse a jurisdição
brasileira, o processo se encerraria. Mas nessa hipótese, diz o advogado, a ONU não poderia processar uma pessoa residente no
Brasil, já que ela teria desqualificado a Justiça brasileira em ações
que lhe dizem respeito.
Jorge Beja diz por fim estar
aberto a uma proposta de acordo.
Com a Reportagem Local
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