São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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ONU vê imprudência de Vieira de Mello

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Um relatório da ONU sobre o atentado que matou seu maior representante no Iraque, Sérgio Vieira de Mello, em agosto, feito a pedido do secretário-geral, Kofi Annan, aponta para a responsabilidade do próprio brasileiro pelas falhas de segurança que facilitaram a ação terrorista.
O relatório, concluído há cerca de duas semanas, diz que os representantes da organização no Iraque "pareciam cegados diante da convicção de que os funcionários e as instalações da ONU não seriam alvos de ataques", apesar do que o texto descreve como "indícios em sentido contrário".
O documento cita especificamente Vieira de Mello: "A resposta do representante especial do secretário-geral às perguntas do secretário-geral sobre segurança, depois do ataque à embaixada da Jordânia em 7 de agosto de 2003, indicavam que o representante especial compartilhava o mesmo ponto de vista".
No atentado de 19 de agosto, 22 pessoas morreram, após a explosão de um carro-bomba. Segundo o relatório da ONU, o número de mortos poderia ter sido menor se recomendações de segurança tivessem sido seguidas. Dois funcionários das Nações Unidas já deixaram seus cargos por supostas falhas no Iraque.
Um diplomata próximo a Vieira de Mello disse à Folha, sob a condição de não ser identificado, que o fato de a segurança não ter sido aumentada na sede de Bagdá foi motivada por uma questão de princípios. "Ou você tem a ONU de portas abertas, acessível, para fazer seu trabalho sem que as pessoas tenham medo de procurá-la, ou não faz sentido a presença dela no Iraque", disse o diplomata.
Se cada pessoa que quisesse denunciar desrespeitos aos direitos humanos, num país marcado por anos de ditadura, tivesse que passar por um processo rigoroso de identificação, afirma, ela simplesmente não procuraria a ONU.
Segundo Stephane Dujarric, porta-voz da organização, o relatório não "responsabiliza" Vieira de Mello. "Ninguém poderia prever o que ocorreu", afirmou.

Mãe processa a ONU
A mãe de Vieira de Mello, Gilda, 85, deverá entrar nos próximos dias com ação judicial por danos morais contra as Nações Unidas. "Meu filho me ajudava a viver, e vai fazer oito meses que ele morreu. Eu sou viúva há 31 anos. Tenho apenas a pensão de meu marido que há dez anos não é reajustada. Então como é que eu poderia me manter?", disse ela à Folha.
O advogado Jorge Beja, encarregado do caso, diz que o processo é inédito e que, segundo a Constituição brasileira [ação de residentes no Brasil contra organismo internacional], ele deverá correr na Justiça Federal do Rio.
Beja argumenta que "houve um acidente de trabalho com culpa grave do empregador", no caso, a ONU. Um de seus organismos, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) estipula que o empregador deve dar condições de segurança a seus empregados.
Por esse raciocínio, Sérgio Vieira de Mello estava em Bagdá exposto a risco de vida. A indenização por dano moral pode beneficiar a mãe da vítima, sobretudo porque, prossegue Jorge Beja, com a morte do alto funcionário, ela perdeu uma fonte de renda.
A ONU já efetuou pagamentos em valor ignorado pela família no Brasil à ex-mulher de Vieira de Mello, cidadã francesa da qual ele estava separado, e a seus dois filhos, de 24 e 25 anos.
Caso a ONU recuse a jurisdição brasileira, o processo se encerraria. Mas nessa hipótese, diz o advogado, a ONU não poderia processar uma pessoa residente no Brasil, já que ela teria desqualificado a Justiça brasileira em ações que lhe dizem respeito.
Jorge Beja diz por fim estar aberto a uma proposta de acordo.


Com a Reportagem Local

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