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MISSÃO NO CARIBE
ONGs dizem que militares da força internacional liderada pelo Brasil estupram e usam prostituição; general nega
Haitianas acusam missão da ONU de abusos
CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Organizações haitianas de direitos humanos e de defesa da mulher estão denunciando a ocorrência de estupros e a utilização
de redes de prostituição por parte
de tropas da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah).
A Folha teve acesso a alguns dos
relatos coletados pelos organismos, que se dizem alarmados
com o fenômeno, apesar de reconhecerem a inexistência de uma
base de dados que permita avaliar
sua total extensão.
O governo haitiano tem conhecimento da existência de denúncias, segundo confirmou à reportagem Camille Magloire, porta-voz do Conselho de Sábios, órgão
de assessoramento do governo
interino. Magloire não quis, porém, falar sobre casos específicos.
O comandante militar da Minustah, o general brasileiro Augusto Heleno Pereira, negou que
as denúncias tenham algum fundamento. A OEA (Organização
dos Estados Americanos) disse
desconhecer o fenômeno.
"Já é hora de fazer soar o alarme", alertou Myriam Merlet, diretora-executiva da organização feminista Enfofanm.
O episódio mais notório até
agora é o suposto estupro de Nadège Nicolas, 23, numa plantação
de bananas na cidade de Gonaives, por três soldados paquistaneses, em fevereiro deste ano, segundo informe da organização
Sofa (Solidariedade pelas Mulheres Haitianas) após denúncia por
moradores locais.
O documento diz que, por ter
problemas mentais, a mulher não
poderia ter consentido sexo com
os homens. Afirma ainda que foram constatadas evidências de
brutalidade na moça.
Os soldados, cujos nomes não
foram divulgados, alegaram que
Nicolas era uma prostituta. Após
inquérito por uma comissão da
ONU, eles foram repatriados e devem ser julgados em seu país, segundo o general Heleno.
"Cão sem dono"
"A Sofa está extremamente
preocupada que os soldados estejam fortemente armados e que
usem o poder que têm como meio
de tirar vantagem significativa de
mulheres", diz o informe. "Eles
estão olhando para os haitianos
como se fossem cão sem dono."
"São homens que vêm para cá
sem mulheres, por tempo indefinido. Temos visto coisas horríveis. Uma menina foi estuprada
por um soldado que usou até um
pênis falso. Ela ficou destroçada",
disse uma médica haitiana.
Para Merlet, o maior problema
tem sido documentar os casos
existentes. Segundo ela, a maioria
das denúncias não segue adiante
porque as mulheres retiram as
queixas por medo.
Merlet citou como exemplo
uma denúncia contra um soldado
argentino por assédio sexual de
uma mulher em Gonaives, zona
sob comando da Argentina. A suposta vítima retirou a acusação
antes de uma investigação.
Em Carrefour, na periferia de
Porto Príncipe, um soldado brasileiro foi acusado de estupro. Relatório da Enfofanm aponta que a
investigação terminou com a incriminação dos "intermediadores" do contato da vítima, apontada como uma prostituta, com o
suposto agressor.
Segundo o organismo, o caso do
brasileiro está arquivado no escritório regional de proteção ao cidadão. A Minustah não confirma
nenhum dos dois casos.
"Parece-nos que há uma tendência de tentar caracterizar casos de abuso sexual como de
prostituição", disse Merlet, cuja
organização está agora trabalhando na documentação de denúncias de abusos em todo o país.
"Mas, para nós, ambos são violações e queremos que os acusados
sejam julgados pela Justiça local."
Além de estupro, os organismos
afirmam que a presença dos militares têm estimulado a prostituição de mulheres e jovens. Magloire confirma a tendência.
"Começamos a documentar a
organização de grupos de prostituição que aliciam mulheres a esses homens [soldados]. É um fenômeno importante porque esses
grupos estão bem armados", disse Merlet.
Segundo ela, o problema não é
novo para as haitianas. "Em 1994,
na última ocupação militar, recolhemos muitos casos de violações
de mulheres por militares."
O mandato da ONU estabelece
que a Minustah deve "apoiar o
governo de transição, assim como
as instituições e grupos de direitos
humanos haitianos, em seus esforços para promover e proteger
os direitos humanos, particularmente de mulheres e crianças, a
fim de assegurar a responsabilidade individual por abusos de direitos humanos e reparação para
as vítimas".
Os organismos criticam, porém,
o fato de as investigações serem
realizadas pela ONU.
"A Minustah fala de suas investigações como se fossem um Estado dentro do Estado", criticou
Carole Pierre-Paul, coordenadora
da Sofa. "Mas a Minustah não é
nosso interlocutor, e sim o Estado
haitiano. É ele quem deve dar
uma resposta."
A ONG Jubileu Sul pagou parte das despesas com transporte e alimentação da
jornalista Carolina Vila-Nova no Haiti
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