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COMENTÁRIO
O carma da fuga às responsabilidades
DO ENVIADO ESPECIAL
É tão rocambolesca a realidade
argentina que ela não permite festejos pelo candidato beneficiado
pela renúncia do rival, o que lhe
dá o direito de ocupar a Casa Rosada sem precisar disputar o segundo turno. Ao contrário, reclama do que o seu assessor de imprensa, Miguel Núñez, define como o "carma" da fuga às responsabilidades.
É uma alusão ao fato de que, segundo Néstor Kirchner, alçado de
repente à Presidência da Argentina, está se tornando comum o fato de que os responsáveis "pelos
danos impostos ao país" fujam às
responsabilidades, como aconteceu com Fernando de la Rúa, que
renunciou em dezembro de 2001,
e agora com Carlos Saúl Menem.
Kirchner poderia acrescentar à
lista o ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-89), forçado a abandonar a Casa Rosada seis meses antes da data constitucional, sitiado
por saques aos comércios provocados pela hiperinflação.
Ou a renúncia à Vice-Presidência de Carlos "Chacho" Álvarez,
eleito com Fernando de la Rúa
(1999-2001), mas que abandonou
o posto em protesto contra o suborno de senadores para aprovar
uma nova legislação trabalhista.
No fundo, o "carma" das renúncias, se somado ao dos golpes militares, ajuda a entender a decadência argentina: desde que Hipólito Yrigoyen foi deposto no dia
6 de setembro do remotíssimo
ano de 1930, apenas o próprio
Menem, entre os presidentes democraticamente eleitos, conseguiu completar o seu mandato (dois, na verdade, entre 1989 e 1999).
Como se esses dramáticos antecedentes já não fossem desconfortáveis, Kirchner enfrenta um desconforto adicional: tornar-se
presidente tendo obtido apenas
4,3 milhões de votos ou 22,24%
no primeiro turno, que acabou
sendo o único. Essa circunstância
fragiliza qualquer governante.
Ainda mais quando se considera que todas as pesquisas para o
segundo turno indicavam que
Kirchner terminaria eleito de
qualquer forma no domingo, com
uma votação muito provavelmente recorde, na altura dos 70%.
A palavra de ordem no QG de
Kirchner é "não dramatizar" a renúncia de Menem. Ou seja, não
aceitar o recorrente comentário
dos analistas argentinos no sentido de que, de alguma maneira, a
renúncia de Menem deslegitimiza
a vitória de Kirchner.
"Ele vai se legitimar no exercício
cotidiano do interesse público",
reage, por exemplo, o deputado
Sérgio Acevedo, que Kirchner
gostaria de indicar para liderar a
bancada peronista na Câmara de
Deputados.
(CR).
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