São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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RECOMEÇAR DO NADA

Cidade é a única latino-americana a participar de planos de reconstrução de capital afegã

Curitiba é exemplo urbanístico para Cabul

Associated Press - 22.mai.2002
Mulher com a tradicional burka anda por ruínas em Cabul; cidade teve sua infra-estrutura básica quase totalmente destruída


RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Cabul, capital do Afeganistão, vai contar com uma pitada de Brasil. Mais precisamente, com uma pitada de Curitiba.
Um grupo de trabalho para a reconstrução da capital afegã fez sua primeira reunião em Londres, no fim de fevereiro. Estiveram lá representantes de quase 20 cidades. A capital paranaense foi a única cidade latino-americana convidada e fez parte, com Beirute e Berlim, de um seleto grupo tratado como modelo.
"Curitiba é um exemplo de planejamento e, principalmente, de envolvimento da população", disse à Folha Ajmal Maiwandi, arquiteto de origem afegã radicado no Reino Unido. Maiwandi diz ver na experiência curitibana um desenvolvimento sem investimentos maciços, "mas com muita inteligência na procura de soluções e com boa coordenação para implementar os projetos".
Promovida pela ONU, pelo governo interino do Afeganistão e pelo Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York, a reunião foi a primeira tentativa de um novo planejamento urbano para Cabul.
"Eles ainda têm reservas quanto a "planejamento central". Talvez reflexo da aversão ao centralismo imposto pela ocupação soviética", diz Maria do Rocio Morais do Rosário, supervisora de Informações do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) e representante da cidade no encontro.
Cabul tem hoje cerca de 1,7 milhão de habitantes. Grande parte deles é de deslocados internos, gente que fugiu de áreas de combate -ora combate contra os soviéticos, ora combate entre a Aliança do Norte e o Taleban.
Durante a Guerra Fria, tanto americanos quanto soviéticos financiaram projetos de infra-estrutura na cidade, assim como projetos agrícolas e comerciais.
Mas foi durante a ocupação soviética que um projeto maior para a cidade foi feito. Apesar disso, a maior parte de Cabul nunca chegou a ter eletricidade, esgoto ou água encanada.
"De qualquer modo, o plano soviético nunca foi implementado em mais de 20%. Durante a ocupação, o Afeganistão foi a maior base soviética no exterior. Por isso, a maior parte das obras deixadas por eles tinha fins militares", afirma o arquiteto afegão.
A maioria dos projetos daquela época visava a criar habitações para o uso das tropas acantonadas em Cabul e escritórios.
"Muito comum era o uso de blocos pré-fabricados, que podiam ser facilmente montados. Isso pôde ser visto também em Berlim Oriental, antes da reunificação", afirma Maiwandi. "O problema é que esse tipo de construção difere muito de nossa tradição." Ele lembra ainda a necessidade de uma reforma legal. "Os problemas da reconstrução são muito mais profundos do que apenas a infra-estrutura. Depois de anos de governo comunista, seguidos de anos de instabilidade, precisamos definir o que é de quem, o que é público e o que é privado."
De acordo com o Banco Mundial, 41% das casas de Cabul foram construídas em áreas não-autorizadas; 84% não têm instalações sanitárias; 62% da população não têm rede de água; e 50% das tubulações de água estão destruídas ou danificadas.
Maiwandi afirma que os recursos financeiros para a tarefa dependem da estabilização do novo governo do Afeganistão.
"Hoje, o governo interino apenas tenta fazer a transição e pacificar as facções internas. Depois da Loya Jirga, com a formação de uma estrutura mais profissional, técnica, começaremos a procurar doações e financiamentos das instituições internacionais e da iniciativa privada."

Berlim, Beirute e Curitiba
Por que três cidades tão diferentes foram usadas como exemplo? Certamente contou a experiência de reconstrução por que passou Beirute, uma cidade praticamente arrasada na guerra civil libanesa (1975-1990).
Berlim também passou por um processo de reconstrução, só que com muito mais dinheiro. Durante toda a década de 90, a cidade foi remodelada para voltar a ser a capital da Alemanha.
E Curitiba? Rocio diz que a cidade é um "exemplo de reconstrução contínua". A cidade estaria, segundo ela, se "reinventando a cada dia". Além disso, Curitiba já elaborou sugestões para cidades tão diferentes quanto Dili (Timor Leste) ou Armenia, um município colombiano atingido por terremoto em 1999.



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