São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 2005

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JULGAMENTO

Cantor é inocentado pelo júri popular de dez acusações, entre elas a de ter molestado sexualmente um menino de 13 anos

Michael Jackson é considerado inocente

Hector Mata/France Presse
O cantor norte-americano Michael Jackson acena ao chegar na corte de Santa Barbara, na Califórnia


SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

"Inocente! Inocente!" Foi ao som deste slogan, gritado por cerca de mil fãs, que Michael Jackson entrou na corte de Santa Maria, na Califórnia, no início da tarde de ontem para ouvir o veredicto de 12 jurados que decidiriam seu futuro. Menos de meia hora depois, o músico sairia pela mesma porta vingado: o júri concordou com os fãs. O rei do pop foi considerado inocente das dez acusações que pesavam sobre ele, a mais grave a de molestar sexualmente um menino de 13 anos que se recuperava de um câncer.
O resultado traz uma surpresa e um recado. A surpresa: virtualmente nenhum analista jurídico acreditava que o cantor voltasse para seu rancho, Neverland, onde os atos criminosos supostamente teriam acontecido, sem ao menos uma pena, simbólica que fosse. "Estou surpreso que Michael Jackson possa voltar a fazer seu "moonwalking" como se nada tivesse acontecido", disse o advogado Robert Shapiro, que ganhou notoriedade no julgamento do ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson, referindo-se ao passo de dança que o músico popularizou nos anos 80 e que deu impulso à carreira solo.
O recado: a promotoria, liderada por Tom Sneddon Jr., não preparou direito o seu caso. "Em décadas de vida pública, nunca briguei com a opinião de um júri, não vou começar agora", disse o promotor em entrevista coletiva logo após o veredicto. Os antecedentes suspeitos da família de acusadores, os testemunhos confusos dados pela então suposta vítima e por sua mãe, a falta de ao menos um indício de prova além de uma dúvida razoável contribuíram para a impressão da falta de preparo do ataque neste caso.
Além do abuso sexual de um menor de idade, Michael Jackson, 46, estava sendo acusado de fornecimento de agente tóxico (álcool) com o objetivo de cometer esse delito, seqüestro do menor, falsa prisão deste e de sua família e extorsão com objetivo de viabilizar conspiração. Se fosse condenado, poderia pegar até 20 anos de cadeia. Sua defesa foi liderada por Thomas Meserau, 54, que livrou o boxeador Mike Tyson de um julgamento em 2001, e que, mais do que negar as acusações, se concentrou em desqualificar o acusador e caracterizar o caso como uma vendeta do promotor.
Thomas Sneddon Junior, 64, promotor do condado (divisão administrativa) de Santa Barbara, da qual Santa Maria é a sede, investiga o cantor há mais de dez anos. Em 18 de novembro de 2003, depois de a polícia vistoriar Neverland, ele anunciou a abertura do processo. Sneddon instruiu processo semelhante contra ele em 1993, depois que outro menor o acusou de abuso sexual. O caso foi resolvido com acordo amigável e uma compensação financeira de US$ 23 milhões (cerca de R$ 56 milhões). Desde então, o ex-pugilista, com nove filhos, que se aposenta no ano que vem, dedicou a década final de sua carreira a tentar levar o músico às grades. Não conseguiu.
O motivo é uma frase repetida à exaustão tanto pelo advogado de Jackson quanto pelo juiz do caso, Rodney Melville: "Além de uma dúvida razoável". Ou seja, os 12 jurados teriam de condenar Jackson apenas se não houvesse nenhuma sombra de dúvida em nenhuma das acusações. Não foi o que aconteceu. "Não conseguimos ver um indício de prova indubitável da culpa de Jackson", disse um dos jurados, identificados apenas por números, na entrevista coletiva após o veredicto.
Eram 12 moradores de Santa Maria, oito mulheres e quatro homens, com idades entre 20 e 79 anos, oito deles brancos, três latinos e um asiático, que ouviram 86 testemunhas e viram 662 evidências da acusação e 22 da defesa, que trouxe ao banco de testemunhas 52 pessoas, entre elas o ex-ator infantil Macaulay Culkin, que negou que tivesse sido abusado por Jackson quando criança, e o apresentador de TV Jay Leno, que disse que desconfiou da família de acusadores.
Antes de deliberarem, receberam 98 páginas de instruções, o que pode ter causado a demora nas decisões. Os 12 ficaram 33 horas reunidos, de sexta retrasada até ontem. Na comparação, o júri que inocentou O.J. Simpson gastou dez dias, mas o caso envolvia acusação de assassinato e possibilidade de pena de morte.
Como o de Simpson, também este era para ser o "julgamento do século", mas as acusações envolvendo pedofilia, a bizarrice do acusado e de certos testemunhos (uma das empregadas de Jackson disse que tinha de limpar fezes do chimpanzé de estimação das paredes do quarto do cantor) e a proibição do juiz de que o caso fosse transmitido ao vivo pela mídia ajudaram a esvaziar o interesse do público em geral. Um número resume a discrepância: 2.000 jornalistas de 35 países esperavam o veredicto ontem em Santa Maria; era o dobro do número de fãs no mesmo local.
Finda a leitura, que tomou menos de dez minutos, um abatido Michael Jackson, quilos mais magro do que no começo do julgamento, em 31 de janeiro, e sua família deixaram a corte em direção ao comboio de carros pretos, mesma cor do terno e da gravata que o cantor usava, pela primeira vez sem coletes coloridos e sem as faixas que carregou enroladas no braço. Ele não disse nada aos fãs, que comemoravam. Seu advogado falou: "Foi feita a Justiça. Michael Jackson é inocente".


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